segunda-feira, junho 18, 2018

O que Armínio era - e os assembleianos não são...



Prosseguindo com as polêmicas do post anterior, o pastor Altair Germano, o atual paladino da "herança arminiana" e guardião dos bons costumes nas Assembleias de Deus, continua a disparar contra a "influência calvinista" dentro da Assembleia de Deus e sua luta pela casa publicadora dentro da denominação. Mas do que se trata a herança arminiana? Quem foi Jacó Armínio? Se fizessem tal tipo de pergunta à grande maioria dos assembleianos cerca de cinco a sete anos atrás, apenas os especializados em teologia  e crentes mais estudiosos poderiam responder com certa precisão. Muito da vida de Armínio passou a ser descoberto apenas recentemente, com a publicação de obras biográficas e da  publicação de suas Obras a pela CPAD. Hoje a propaganda do momento é a "herança arminiana"a ser preservada pela denominação. Porém, antes que possamos fazer qualquer defesa de tal herança, vejamos quem Jacó Armínio era teologicamente, e os assembleianos não são:
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a) Armínio era Pedobatista:

Como um bom membro da Igreja Reformada Holandesa, Armínio nunca se posicionou contra o batismo infantil e por aspersão em suas obras. Como um bom adepto da teologia da Aliança, Armínio foi categórico:

"O objeto deste batismo não é real, mas apenas pessoal, isto é, todo o povo do concerto de Deus, quer sejam adultos ou crianças, com a condição que que as crianças sejam filhas de pais que façam parte do novo concerto, ou se um de seus pais estiver entre o povo do concerto de Deus, porque a ablução no sangue de Cristo lhes foi prometida e, também, porque, pelo Espírito de Cristo, eles estão enxertados no corpo de Cristo". (Obras de Armínio, Vol. 2.p.144).

 A Assembleia de Deus, todavia, desde o início seguiu o credobatismo, também chamado de Batismo de Crentes, algo reafirmado na Declaração de Fé assembleiana. Vejamos o que a Declaração de fé afirma:

"Não aceitamos nem praticamos o batismo infantil por não haver exemplo de batismo de crianças nas Escrituras e por não ser o batismo um meio da graça salvadora, ou sinal e selo da aliança, que substitui a circuncisão dos israelitas. Também por não ser possível à criança ter consciência de pecado, condição necessária para    que    ocorra    arrependimento.    As    crianças,    em estado pueril, não preenchem esses requisitos. Sobre a circuncisão, o pensamento cristão bíblico é: “em Cristo Jesus nem a circuncisão, nem a incircuncisão tem virtude alguma, mas sim o ser uma nova criatura” (Gl 6.15). Cremos e ensinamos que o batismo é apenas para os que primeiramente se arrependem dos seus pecados e creem em Jesus,4 sendo também necessário pedir para ser batizado: “Eis aqui água; que impede que eu seja batizado? E disse Filipe: É lícito, se crês de todo o coração. E, respondendo ele, disse: Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus. E mandou parar o carro, e desceram ambos à água, tanto Filipe como o eunuco, e o batizou” (At 8.36-38). Assim, os candidatos ao batismo precisam exercer o arrependimento e a fé. O Novo Testamento mostra o batismo posterior à    fé. Isso é visto no dia de Pentecostes e na campanha evangelística de Filipe em Samaria: “como cressem em Filipe, que lhes pregava acerca do Reino de Deus e do nome de Jesus Cristo, se batizavam, tanto homens como mulheres” (At 8.12). Esses fatos não deixam margem para o batismo infantil "(Declaração de fé. Sobre o Batismo Infantil. p. 129).


b) Armínio era Aliancista:

Ainda que Armínio não escreveu algo diretamente escatológico, seguindo sua linha aliancista  no caso do pedobatismo,  pode-se concluir seguramente que Armínio era um tradicional amilenista na escatologia. Nesta visão, não há espaço para arrebatamento "secreto", pré-tribulacionista, nem tampouco um milênio literal. A assembleia de Deus, ao contrário, tradicionalmente adotou o dispensacionalismo, que afirma tudo o que o amilenismo nega. Interessantemente, o próprio dispensacionalismo surgiu entre calvinistas¹.

c) Armínio era Cessacionista:

Talvez a maior incoerência para os defensores da tradição arminiana dentro das assembleias de Deus seja essa: Armínio nunca defendeu a atualidade dos dons espirituais, pelo contrário. Seguindo um tipo de raciocínio semelhante ao encontrado em muitos reformados, Armínio categoricamente negou a atualidade dos dons espirituais e nem sequer cogitou a ideia do batismo com o Espírito Santo posterior à conversão. Armínio foi claro:

"Uma vez que iniciemos a defesa dessa perfeição [da Escritura] contra inspirações, visões, sonhos e outras coisas novas e entusiásticas, afirmamos que, desde a época em que Cristo e seus apóstolos peregrinaram pela terra, nenhuma inspiração de qualquer coisa necessária para a salvação de qualquer indivíduo ou da igreja foi feita a nenhuma pessoa ou congregação de pessoas, coisa essa que não esteja, de uma maneira plena e extremamente perfeita, contida nas Sagradas Escrituras." (Obras de Armínio Vol. 2.p. 23)


Mas aí, o leitor pode objetar que, a bem da verdade, a Assembleia de Deus segue a soteriologia de Armínio, não outros aspectos de sua teologia. Bem,  a grosso modo essa declaração pode soar como verdadeira, porém nem mesmo isso se dá de maneira precisa. Em seu esquema teológico, Armínio não nega a doutrina dos decretos de Deus (elemento característico da teologia reformada), mas os reformula com uma estrutura sinergística. Nem a grande maioria dos assembleianos e nem mesmo a Declaração de Fé segue o esquema proposto por Armínio. Na verdade o que temos é a versão arminiana modificada por John Wesley, onde não se estabelecem decretos divinos na eternidade. Um detalhe importante é que Armínio pareceu inclinado a defender a doutrina da perseverança do santos, e categoricamente afirme que nunca ensinou que o crente possa perder totalmente a sua salvação, algo que a Declaração de Fé assembleiana nega veemente. A declaração de Armínio pode ser vista no 1° Volume de suas Obras:

Embora eu aqui, aberta e sinceramente, afirmo que eu nunca ensinei que um verdadeiro crente pode, total ou finalmente, abandonar a fé, e perecer; todavia não nego que haja passagens da Escritura que me parecem apresentar este aspecto; e as respostas a elas que tive a oportunidade de ver não se mostraram, em minha opinião, convincentes em todos os pontos. Por outro lado, certas passagens são fornecidas para a doutrina contrária [da perseverança incondicional] que merecem especial consideração

A Declaração de Fé profere uma visão acerca da apostasia nos moldes wesleyanos, mas sua formulação chega a uma estranheza que surpreenderia até John Wesley:

"Rejeitamos a afirmação segundo a qual “uma vez salvo, salvo para sempre”, pois entendemos à luz das Sagradas Escrituras que, depois de experimentar o milagre do novo nascimento, o crente tem a responsabilidade de zelar pela manutenção da salvação a ele oferecida gratuitamente: “Vede, irmãos, que nunca haja em qualquer de vós um coração mau e infiel, para se apartar do Deus vivo” (Hb 3.12). Não há dúvidas quanto à possibilidade do salvo perder a salvação, seja temporariamente  ou eternamente. Mediante o mau uso do livre arbítrio, o crente pode apostatar da fé, perdendo, então, a sua salvação: “Mas, desviando-se o justo da sua justiça, e cometendo a iniquidade, fazendo conforme todas as abominações que faz o ímpio, porventura viverá? De todas as justiças que tiver feito não se fará memória; na sua transgressão com que transgrediu, e no seu pecado com que pecou, neles morrerá” (Ez 18.24). Finalmente temos a advertência de Paulo aos coríntios: “Aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe não caia” (1 Co 10, 12). Aqui temos mencionada a real possibilidade de uma queda da graça.51 Assim, cremos que, embora a salvação seja oferecida gratuitamente a todos os homens, uma vez adquirida, deve ser zelada e confirmada" (Declaração de fé. É possível a perda da Salvação. p.114).

Todos esses fatores revelam claramente que não há necessariamente, nenhuma simbiose entre o arminianismo e o pentecostalismo, pelo menos não no que diz respeito ao pentecostalismo assembleiano. .

- Que diferença isso faz?

Muita, a bem da verdade. Como já escrevi em artigos anteriores, o que define ser pentecostal e assembleiano não é afirmar calvinismo ou arminianismo. A Assembleia de Deus não enfrenta uma crise de identidade por causa do calvinismo e sim um crise de identidade por não saber o que é pentecostalismo. Se alguém perguntar para a maioria dos jovens pentecostais entre 20 e 30 anos quem foi Myer Perlman, Donald Gee ou Stanley Horton a ignorância será memorável. 

Ora, publica-se uma obra com tantas distinções doutrinárias como a de Armínio, que não superam sua importância teológica, não há motivo para temer obras publicadas por calvinistas, pois ainda que possuam certa distinção teológica, não contribuem para a igreja de Cristo? Quem poderá negar o valor das obras de Nancy Pearcey e R. C. Sproul para a apologética por exemplo? Ou Josefo e Eusébio para a história do Cristianismo? Campenhausen para a patrística? Negar o valor de tais obras devido seus autores serem de outra linha teológica é alienação espiritual e suicídio intelectual.

No que tange à CPAD, há espaço sim para publicações evangélicas de ambos os lados teológicos. As possíveis distinções autorais podem ser reparadas com simples notas de rodapé editorais, como as que a editora fez na obra A Bíblia Explicada, de S. E. McNair. Publique-se Lutero, Calvino, Armínio, Wesley, Spurgeon. Certamente todos nós seremos abençoados em Cristo.

Soli Deo Gloria.

Notas:

1. Acerca da origem calvinista no dispensacionalismo, leia o artigo " A Herança Calvinista do Dispensacionalismo" de Thomas Ice, disponível aqui: https://www.chamada.com.br/mensagens/calvinismo_dispensacionalismo.html

2. As citações dos escritos de Armínio são da tradução feita pela CPAD, porém neste último utilizei a feita pelo irmão Clóvis Gonçalves do blog  Cinco Solas: http://www.cincosolas.com.br/2008/08/arminianos-ouam-armnio.html.

sexta-feira, junho 15, 2018

Entre Calvinismo e Arminianismo Assembleiano: A questão da CPAD


Em tempos de Copa do Mundo, a  última coisa que pensei em escrever seria sobre a polêmica envolvendo o calvinismo e arminianismo no meio assembleiano-pentecostal. Porém, como em um artigo anterior eu  disse que voltaria a explorar esse assunto, a época atual se mostra propícia para tal. Mais uma vez, diga-se de passagem, a figura do pastor Altair Germano encabeça um vigoroso ataque contra a publicação de obras calvinistas na Casa Publicadora da Assembleia de Deus (CPAD). Dessa vez o alvo para o chumbo quente de Altair não é ninguém menos que Charles Spurgeon. Sim, caro leitor, lestes bem: o alvo agora é o considerado o maior pregador do Cristianismo (depois de João Crisóstomo): Charles Spurgeon.

Recentemente a CPAD publicou aquela que é considerada a Magnum Opus de Spurgeon: "Tesouros de Davi", um extenso comentário sobre o livro dos Salmos, voltados para a aplicação prática, pregação e devocional. Tal obra, inédita em língua portuguesa, deveria certamente ser considerada um marco editorial para a Casa Publicadora, porém Altair não poupou críticas a tal publicação, pois a considera  uma erva daninha às Assembleias de Deus no Brasil, herdeira da tradição teológica de Jacó Armínio (um nome desconhecido para uma grande maioria de assembleianos, até recentemente). Em um post em seu perfil do Facebook, o pastor Altair dispara: "O próprio Charles Spurgeon, autor da obra, chegou a declarar que o deus dos arminianos (nós assembleianos somos soteriologicamente armínio-wesleyanos) não era, nem nunca seria o seu Deus...". De fato, como é comum na vida de pregadores, Spurgeon disse coisas aqui e ali que sem dúvida provocariam (e de fato provocaram) controvérsias. Spurgeon começou sua vida de pregador saindo da adolescência, assumindo uma considerável igreja no início de seus vinte anos.  No início de seu ministério, Spurgeon proferira fortes ataques contra os arminianos e exaltação do calvinismo. Todavia, esse não é o quadro absoluto da história. Como nos conta Iain Murray, em sua obra Spurgeon versus Hipercavinismo: A batalha pelo verdadeiro evangelho(PES)  que com o passar do anos Spurgeon "deixou grandemente  de lado a prática de chamar outros cristãos de 'hipercalvinistas' ou de 'arminianos'. Os termos podem não ser depreciativos, porém nas controvérsias eles logo começam a carregar esse sentido e dessa forma podem alienar os cristãos a quem são aplicados..." e acrescenta " Spurgeon, como todos os filhos dos homens, tinha que aprender humildade, e ele nem sempre esteve isento de culpa com relação a isto em seus primeiros anos, mas lhe foi dado ver que um sistema que procurava atribuir tudo à graça de Deus tinha confiança demais nos poderes da razão". Ao analisar tais declarações, devemos lembrar que em debates polêmicos, muitos arminianos também não estão isentos de afirmações descabidas e exageradas.

Quando se analisa a exclusão sectária de qualquer obra de cunho não-aminiano da CPAD, não serão somente obras de presbiterianos e batistas rígidos que serão excluídas, mas boa parte do catálogo da Casa, dentre tais obras se incluem os livros de Norman Geisler ("tomista" evangélico- Batista) e também:

-"Mártires do Coliseu", de A. J. O'Reilly (Sacerdote Católico),

- "O Peregrino", de John Bunyan (Batista),

- "O Treinamento dos Doze", de A. B. Bruce (Presbiteriano calvinista, mais tarde liberal),

- "História dos Hebreus", de Flávio Josefo (Judeu - traduzido pelo padre Vicente Pedroso).

- "Os Pais da Igreja", de Hans Von Campehausen (neo-ortodoxo?),

- "História de Israel", de Eugene H. Merril (Batista Calvinista),

 - "História eclesiástica" de Eusébio de Cesaréia (católico oriental),

 - "Quem é você para julgar?" de Erwin Lutzer (Batista Calvinista).

Como se pode notar, tal lista abrange obras clássicas que beneficiaram toda a igreja brasileira no decorrer dos anos (a despeito da posição teológica ou até mesmo heterodoxia em alguns casos). Retirar tais obras do catálogo da casa é insensatez e presunção editorial. Quando uma editora se concentra em produzir apenas um tipo de literatura , é de se esperar que o sucesso seja "explosivo" no início,  porém com o passar dos anos, a produção venha a ter considerável queda e então a editora deve partir para uma renovação. Editoras como a Reflexão e Carisma podem sofrer desse mal daqui a alguns anos.

Com relação a publicação de obras calvinistas pela CPAD e sobre o calvinismo no meio assembleiano já escrevi com mais detalhes  em artigos anteriores (acesse clicando aqui e aqui), porém digo e repito: O problema que se enfrenta hoje nas Assembleias de Deus não é o calvinismo, mas sim três fatores: analfabetismo bíblico (incluindo a doutrina pentecostal), legalismo e política eclesiástica. Enquanto tais fatores prevalecerem, tal denominação começa a andar em círculos, quer seja calvinista, quer arminiana. Isso é algo que obreiros assembleianos, calvinistas ou arminianos, precisam atentar.


Soli Deo Gloria