sábado, dezembro 31, 2022

Servorum 2022: Tendo um futuro e uma esperança

"A Cidade Celestial", por Douglas Ramsey


O ano de 2022 já chega ao fim e um novo ano começa a se preparar para despontar no horizonte. É comum, nesse período, se fazer reflexões do que passou e do que se fez e também resoluções do que se pretende fazer. Com os membros deste blog, não fora diferente. 

O ano de 2022 praticamente não colhera artigos neste espaço, mas isso se deve aos mais variados motivos, sendo um dos principais o retorno das atividades corriqueiras que se tinha na época pré-pandemia (mostrando que o conceito de "novo normal" não era tão inovador assim), bem como lidar com vários desafios deixados pela pandemia, quer no âmbito pessoal, social, eclesiástico e mesmo espiritual. Nesse aspecto, é sempre importante lembrarmos das promessas que Deus faz na Bíblia.

No período do cativeiro de Israel, o povo experimentara um clima de derrota. Eles haviam fracassado constantemente em cumprir os termos da Aliança e, como povo de Deus, haviam o desobedecido e fracassado. O resultado disso fora a terrível queda nas mãos de Nabucodonosor, rei babilônico. Jerusalém fora destruída e o povo levado cativo. Neste cenário sem esperança, Deus usa o profeta Jeremias e este, em nome do Senhor, encoraja o povo cativo a viver uma vida boa e justa aos olhos de Deus, mesmo em terra estranha. Então, a promesa de que o povo voltaria à terra de Israel é feita:

Porque assim diz o SENHOR: Certamente que passados setenta anos em Babilônia, vos visitarei, e cumprirei sobre vós a minha boa palavra, tornando a trazer-vos a este lugar. Porque eu bem sei os pensamentos que tenho a vosso respeito, diz o SENHOR; pensamentos de paz, e não de mal, para vos dar o fim que esperais. 

Então me invocareis, e ireis, e orareis a mim, e eu vos ouvirei.

E buscar-me-eis, e me achareis, quando me buscardes com todo o vosso coração (Jr 29.10-13).


O povo de Israel deveria se arrepender dos seus pecados e orar a Deus, sabendo que era necessário esperar setenta anos para finalmente voltar para a terra prometida. Israel deveria olhar para o futuro e se alegrar, pois  Deus tinha para com eles "pensamentos de paz e não de mal" e que também daria a estes "O fim que esperais". De maneira interessante, a expressão "o fim que esperais" também pode ser traduzido como "A recompensa que esperais" ou mesmo " Um futuro com esperança", sendo que a palavra "esperança" na língua original basicamente significa "corda". Deus daria uma corda para que Israel se mantivesse, esperasse e mesmo vivesse. Israel deveria entender que a esperança de futuro se encontrava não em meras resoluções durante estes setentas anos, mas em Deus, que controla os anos e as estações. Só assim, poderiam realmente viver com esperança sendo que a esperança é uma das marcas da fé cristã, pois a esperança do crente, bem como de Israel também, se encontra unicamente em Cristo Jesus (At  28:20).

Muitos foram os desafios, mas também muitas foram as bênçãos derradas a cada membro deste blog. Todavia, sabemos que podem passar os anos e as resoluções, mas o que realmente nos garante um futuro e esperança e termos Cristo agora, no presente, firmes na fé, sabendo da maravilhosa glória que ainda vai se manifestar no futuro. Deus não somente nos dá uma "corda" de esperança, mas verdadeiramente uma âncora, como nos conta o autor de Hebreus:

Por isso, querendo Deus mostrar mais abundantemente a imutabilidade do seu conselho aos herdeiros da promessa, se interpôs com juramento;
Para que por duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, tenhamos a firme consolação, nós, os que pomos o nosso refúgio em reter a esperança proposta;
A qual temos como âncora da alma, segura e firme, e que penetra até ao interior do véu
Onde Jesus, nosso precursor, entrou por nós, feito eternamente sumo sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque.  Hebreus 6:17-20 


Que neste ano de 2023 nossa esperança resplandeça mais e mais gloriosa em nossa vida e todas as nossas resoluções e bênçãos reflitam nossa confiança em Deus, pois sabemos que cada vez mais o tempo para a vinda de Nosso Senhor Jesus se aproxima e então, como diz o texto de Jeremias, os planos de Deus para nós se cumprirão e teremos a recompensa que esperamos e que define verdadeiramente a vida daquele que crê em Cristo. Aleluia!

O blog Servorum Dei deseja a todos os seus leitores um feliz e próspero 2023 em Cristo Jesus, esperança nossa. Amém.

Soli Deo Gloria



sábado, dezembro 24, 2022

Natal: Encontrando a Luz das nações e a Alegria do povos.


Quando se lê os relatos evangélicos acerca do nascimento de Jesus ou até mesmo se observam os enfeites natalinos, algo que se nota rapidamente é o uso intenso da luzes ou luzeiros, quer em árvores de natal, quer em decorações na sala, quer seja em outros lugares.

Nos Evangelhos, o conceito de "luz", dentro de um âmbito espiritual,  aparece com frequência. No Evangelho de João, o próprio Senhor Jesus afirma ser a "Luz do Mundo" (Jo 8:12). A declaração do Mestre certamente se relaciona com o que foi predito pelo profeta Isaías:

"O Povo que andava em trevas viu uma grande luz, e aos que habitavam na região da sombra e morte a luz raiou" ( Is 9:2). 

Tal profecia encontra cumprimento em Mateus 4.14-15, quando Jesus iniciou seu ministério e formou seus primeiros discípulos, porém muito antes, enquanto Jesus era ainda um bebê, Simeão louvara a Deus¹, pois seu olhos haviam visto "a tua salvação... luz para iluminar as nações e para a glória do teu povo Israel". Desde o início, a palavra luz não só descreveria o ministério, mas o próprio Senhor.


A Palavra "luz" no grego de Mateus e Lucas é "phôs" de onde provém a palavra "fósforo" em nosso vocabulário. Mais interessante ainda, é que no cântico de Simeão em Lucas, o texto grego literalmente diz que Jesus é a "luz para a Revelação aos gentios", o que expressa bem o significado teológico da palavra "Luz", a luz liberta da trevas, trevas de ignorância, alienação, rebeldia e condenação oriundas do pecado. É por isso que João pode exclamar com convicção no início de seu evangelho: "E a luz resplandece nas trevas e as trevas não prevaleceram contra ela" (Jo 1:5). Essa luz, Cristo, veio ao mundo, de maneira explícita e clara, para todas as nações verem. E isso, em nossa vida, deve fazer toda a diferença. Trazendo luz  para os que estão em trevas.

De maneira interessante, vemos no registro de Lucas, um pouco antes do cântico de Simeão, o cântico de Zacarias², onde este diz a seu filho João Batista algo muito semelhante acerca do que se diz sobre Jesus:  

"E tu, ó menino, serás chamado profeta do altíssimo, porque hás de ir ante a face do Senhor, para dar ao seu povo conhecimento da salvação, na remissão dos seus pecados... para alumiar os que estão assentados em trevas e sombra de morte, a fim de dirigir os nossos pés pelo caminho da paz" (Lucas 1:76,77). 

Um detalhe importante: A palavra traduzida na ARC como "alumiar", no grego original é "phanerô",

Imagem clássica na Arte Cristã, 
junta-se os episódios dos magos 
e dos pastores como se fossem um só.

que tem o sentido básico de "manifestar", "aparecer", "tornar-se visível". João Batista deveria não "iluminar" no sentido dele ser a luz. João deveria mostrar a Luz. Cristo é a luz³. Esse dever, tão solene para João Batista, deve ser o de todo aquele que se confessa cristão: Manifestar a luz do evangelho, levar o próprio Cristo para aqueles que estão em trevas, ou no dizer do apóstolo João, ser uma "testemunha da luz" como assim foi João Batista. O mundo espiritualmente morto cada vez mais condena a si mesmo diante de Deus e o nível de ignorância e alienação da Palavra tem estado intenso, levando muitos a permanecerem eternamente nas trevas. Porém, a genuína mensagem de Natal é clara: A luz veio ao mundo, a luz verdadeira, que ilumina a todo o homem que vem ao mundo (Jo 1.9), trazendo conhecimento da salvação a todo aquele que n'Ele crê.

Conclusão: Andemos sempre na sua Luz.

Que neste natal, a Luz do conhecimento de Deus, através de Cristo Jesus, possa brilhar em nossos corações, para que vejamos a salvação e também manifestemos essa Maravilhosa luz, o Senhor Jesus Cristo, nossa salvação, a todo aquele que ainda está em trevas. Até o glorioso dia, em que todas a nações serão guiadas pela sua Luz, que ilumina a Cidade de Deus (Ap 21.23-24). AMÉM.

O Blog Servorum Dei deseja a todos um Feliz Natal!


 Soli Deo Gloria


Notas:

1. O cântico de Simeão é conhecido dentro da tradição musical cristã como "Nunc Dimitis", que são as primeiras linhas do Cântico na versão latina da Bíblia. "Nunc dimitis" significa em tradução livre "Agora me deixas ir [Senhor]".

2. Na tradição musical cristã o Cântico de Zacarias é chamado de "Benedictus" e assim como o Nunc Dimitis, é oriundo das primeiras palavras do Cântico e significa "Bendito Seja".

3. O Apóstolo João é claro em suas palavras acerca de João Batista: "Ele [João] não era a luz, mas veio para dar testemunho da Luz" (Jo 1.8).

sábado, abril 16, 2022

A Páscoa, o Ladrão e o Reino - Uma análise.


"A oração do Ladrão arrependido", por James Tissot.



Um dos momentos mais conhecidos nos relatos da Paixão de Cristo é a oração do ladrão arrependido, também comumente conhecida como a oração do ladrão na cruz, onde um dos ladrões (uma plavra mais adequada seria “salteador”) que estava ao lado do Senhor Jesus faz uma declaração de fé e petição, a qual o Senhor Jesus prontamente responde:  Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso”, declaração essa que tem ressoado no decorrer da história na vida de milhares de pessoas que encontraram a Cristo quase no último sopro que lhes restavam. Porém, ao lermo o Evangelho de Lucas, talvez perguntemos até onde fora o conhecimento salvífico deste homem. Uma análise mais detalhada na própria confissão do ladrão impenitente pode nos indicar, juntamente com o contexto da sua crucificação, quem ele era.

Ao fazermos uma análise do trecho do evangelho de Lucas, capítulo 23:42, constata-se é a forma como o pedido do condenado é dirigida a Jesus: "Senhor, lembra-te de mim quando vieres no teu Reino"¹. Duas coisas são notáveis aqui: a expressão "Senhor" e "Reino". Aqui, por "Reino", claramente este se refere a um tema constante nos evangelho sinópticos e no próprio ministério de Jesus.

 A “teologia do Reino” está presente de maneira notável nos evangelhos sinópticos, sendo que logo no início do Evangelho de Mateus, Jesus afirma que o Reino “está próximo” (podendo inclusive ser traduzido como “é chegado”), algo pregando anteriormente peloo próprio João Batista, o que indica, nas palavras do teólogo holandês Herman Ridderbos, que  a expressão Reino dos céus não era deconhecida daqueles a quem sua mensagem era dirigida, mas tinha sido calculada para produzir uma reação imediata por partes dos ouvintes"². Basicamente, a expressão Reino de Deus, ou dos "Céus" como diz Mateus, não está registrada no Antigo Testamento, mas está fortemente enraizada nele e fora desenvolvida no que chamamos de período interbíblico, que cobre o período de tempo entre a finalização do Novo Testamento e o aparecimento de João Batista. Havia uma forte expectativa com relação a vinda deste Reino celestial, onde Deus, através do seu Messias, vindicaria a honra do povo de Israel, libertaria o seu povo do domínio estrangeiro e traria as bençãos grandiosas de paz e prosperidade sem igual, como profetizadas pelos profetas. Dentro desse contexto, havia aqueles que procuravam estabelecer o Reino de Deus à força, em revolta armada contra Roma. grupos como os Sicários e Zelotes estava presentes entre as multidões do povo de Israel, derramando sangue quando necessário para esta causa.  É dentro desse contexto que entram Barrabás e os outros dois crucificados ao lado de Jesus.

Faz-se notável a confissão do Ladrão na cruz em Lucas. Como dito anteriormente, não se deve entender “ladrão” aqui como um criminoso qualquer. Analisando a passagem paralela no Evangelhos e Marcos, Grant Osbourne afirma: "é provável que fossem dois bandidos revolucionários capturados com Barrabás"³. Não era simplesmente um "badido" qualquer mas um “salteador”, alguém que talvez estivesse envolvido em um tipo de sedição contra Roma. O fato é que esse homem certamente é Judeu e vivia na expectativa da aparição do Reino. A questão dele  se dirigir a Jesus como “Senhor” não se trata de uma variante errada de um copista (como muitos criticos textuais afirmam, preferindo uma leitura extremamente minoritária on de ao invés de "Senhor", lê-se apenas "Jesus") ou um mero embelezamento teológico de Lucas colocado na boca do ladrão. Na verdade, ali, na cruz, o ladrão reconhece Jesus como o Messias e Rei.  Mesmo não tendo talvez uma compreensão tão refinada acerca da profundidade de chamar Jesus de Senhor, demonstra uma genuína fé e reconhece que Jesus traria, em definitivo, esse reino na Terra!

Neste período onde historicamente a igreja celebra a páscoa Cristã, é digno de nota atentarmos para a oração do ladrão na cruz. Ele almejava pelo Reino de Deus. Essa oração está sendo cumprida: Com Jesus, o Reino de Deus é revelado e exposto, pois ele é O Messias prometido, o Rei de Israel. Cristo ressuscitou dentre os mortos e há de vir novamente para julgar os vivos e os mortos, na sua vinda e no seu Reino ( 2 Tm 4: 13), sendo que espirtualmente, todo o crente já experimenta espiritualmente a presença desse Reino pelo Espírito. Que o nosso clamor seja “Venha o teu Reino”, pois do Senhor é “O Reino, o poder e a glória para sempre” (Mt 6:13). Amém

Cristo está vivo!

 Feliz Páscoa

Soli Deo Gloria


NOtas:

1. Para uma análise mais técnica acerca da variante textual comumente encontrada nas versões bíblicas, leia o artigo semelhante a este no blog Scriptum Est.

2. RIDDERBOS, Herman. A Vinda do Reino.Tr. Augustus Nicodemus Lopes & Minka Schalkwijk Lopes. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. p. 35

3. OSBORNE, Grant. Marcos.Tr. Susana Klassen. São Paulo: Vida Nova, 2019.p. 301