segunda-feira, dezembro 24, 2012

Emanuel, O Deus Conosco: Uma análise de Isaías 7:14


Desde a época em que comecei a dar os primeiros passos em direção à fé cristã (que mais tarde culminaria com minha conversão) sempre fui encorajado a buscar, com equilíbrio,  estudar as profecias bíblicas, prática essa que tenho ainda hoje e por certo é partilhada pelos crentes em geral. As profecias bíblicas não devem ser vistas simplesmente como bolas de cristais que possuem respaldo divino, mas como revelações sobrenaturais, profundas mensagens de encorajamento dadas aos crentes através de seus servos. Dentre estas, existe um dos textos que toca profundamente o crente nesta época do ano, e é relembrado com frequência é a profecia proferida pelo profeta Isaías, no capítulo 7, onde se lê:

"E continuou o Senhor a falar com Acaz, dizendo:
Pede para ti ao Senhor teu Deus um sinal; pede-o, ou em baixo nas profundezas, ou em cima nas alturas.
porém, disse: Não pedirei, nem tentarei ao Senhor.
Então ele disse: Ouvi agora, ó casa de Davi: Pouco vos é afadigardes os homens, senão que também afadigareis ao meu Deus?
 Portanto o mesmo Senhor vos dará um sinal: Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel".I saías 7:10-14

Tal texto é professado pela grande maioria da igreja  desde os primeiros séculos de sua existência como uma profecia diretamente ligada ao nascimento virginal de Cristo. No campo dos estudiosos, vário debates têm sido feitos e milhares de interpretações foram dadas por vários comentaristas. Seria esse texto aplicável a Cristo? Ou na verdade isso não se limita ao contexto da época de Isaías? Não teríamos aqui um duplo cumprimento profético? Ou seria então algo mais específico? Levando em conta os pressupostos hermenêuticos aplicados, Pode-se resumir as opiniões acerca de Isaías 7:14 em três interpretações:

A Interpretação Liberal: vê a profecia como plenamente cumprida perto da época em que foi cumprida, sendo que nesse texto, nenhuma referência há acerca do  nascimento virginal, pois a palavra traduzida por virgem (hb. almah) significa literalmente "moça", podendo ser traduzido por "jovem, moça em idade de casamento", algo que na verdade, foi cumprido no nascimento do filho de Isaías, como comprovado na linguagem totalmente paralela em Isaías 8:3-4, mostrando assim, o cumprimento da profecia.

Antes de considerarmos tal  perspectiva, é importante atentarmos para as duas interpretações adotadas nos círculos teológicos conservadores.


Profecia de duplo-cumprimento: Nesta interpretação, afirma-se que a profecia de Isaías, assim como algumas outras profecias veterotestamentárias, apresenta um duplo cumprimento, sendo primeiramente cumprida no filho de Isaías, ou então do próprio Acaz, que nesse caso, seria Ezequias. Mais tarde, o enunciado profético de Isaías cumpriu-se plenamente no nascimento virginal de Cristo, como relatado por Mateus e Lucas.


Profecia Exclusivamente Messiânica: Dentro desse ponto de vista, a profecia de Isaías é vista como uma referência exclusivamente messiânica, sendo que não se acha nenhum paralelo semelhante no livro de Isaías, algo que for visto claramente por Mateus (Cf Mt 1: 23).

A meu ver, a única opinião que não se enquadra no texto em questão é a primeira, que é largamente defendida pelos liberais. As outras duas expressamente afirmam que o texto de Isaías foi cumprido plenamente no nascimento de Cristo. Porém qual das duas interpretações melhor se enquadram no texto bíblico? A meu ver, a última opinião é a que mais faz jus ao texto bíblico, tanto o de Isaías quanto os de Mateus e Lucas. Para confirmar tal opinião, serão analisadas as obras de eruditos e teólogos cristãos como Stanley Horton, Norman Geisler, Raymond Ortlund e Joseph Ratzinger. A Começar pela opinião de Ortlund, como um exemplo da interpretação de duplo cumprimento.

Em seu comentário bíblico publicado pela CPAD, Isaías- Deus Salva Pecadores, Ortlund defende  a interpretação do duplo-cumprimento profético. Ele afirma: "Esse é um dos versículos mais importantes da Bíblia, mas é difícil de entender, e esse é o seu problema. O Novo Testamento diz que essa promessa se realizou séculos mais tarde no nascimento de Jesus, mas o contexto deixa claro a sua relação com a própria época de Isaías. Então, quando se cumpriu a promessa de Deus? Existem mais coisas no versículo 14 de Isaías do que de início podemos perceber. A profecia se realizou não em uma, mas em duas vezes." logo após essas declarações, mais adiante Ortlund afirma: " A semelhança entre Isaías 8.4 e 7.16 é indiscutível". Mas como explica-se a natureza sobrenatural do nascimento do menino? A esse ponto, Ortlund faz uma declaração surpreendente: "Uma tradução bastante precisa  de Isaías 7:14 provavelmente seria: 'Eis que a jovem conceberá  e dará a luz um filho", e alguns entendem que ela seria melhor  do que: 'eis que a virgem conceberá e dará a luz um filho'. A concepção virginal do Senhor Jesus não é estabelecida pelo termo hebraico almah neste versículo; ela é estabelecida pelas narrativas de Mateus 1:18-23 e Lucas 1:26-38. Em nossa opinião, é desnecessário, e também um esforço inútil insistir no significado de virgem para o termo hebraico de Isaías 7:14 para validar a doutrina do nascimento virginal  de nosso Senhor." Tal tipo de interpretação de Isaías 7:14 é a meu ver extremamente perigosa, podendo inclusive dar sustentação à teologia liberal¹.

Dentre os teólogos de renome que preferem nitidamente a interpretação exclusivamente messiânica estão Stanley Horton e Norman Geisler. Em sua Enciclopédia de Apologética, Geisler é enfático acerca da profecia de Isaías: "A ênfase [cf. Is 7:14] é dada a um sinal maravilhoso e inédito. Porque um nascimento ordinário  seria interpretado como um nascimento extraordinário?" É acertada a opinião de Geisler; Não haveria nenhum tipo de sinal extraordinário o fato de uma mulher jovem conceber, pelo contrário, um elemento natural da vida. Há um ponto interessante aqui: A palavra almah em nenhum momento é usada em todo o Antigo Testamento para falar acerca de uma mulher casada, mas sempre tem um contexto de virgindade; em Cantares 6.8, por exemplo o uso de almah só pode significar virgem. Quando o Antigo Testamento foi traduzido para o grego, a palavra utilizada para traduzir almah foi "parthenos", que significa literalmente virgem, e é nesse contexto que Mateus utiliza a palavra parthenos, associado não como algo tipológico apenas, mas realmente como o cumprimento de uma profecia preditiva. Stanley Horton, em seu comentário sobre bíblico, fornece uma importante informação: "Se Isaías tivesse querido usar o termo 'mulher jovem', ele teria usado termo na'arah (O qual a RSV traduz em outro lugar como 'mulher jovem')". À luz de todos esses fatos, a tradução tradicional não é somente adequada, mas também totalmente correta tanto no contexto geral quanto específico de todo o Antigo Testamento. Geisler comenta: "Contrariamente a primeira opinião, almah é somente traduzida por "virgem" no Antigo Testamento sem nenhuma outra opção, a profetiza, portanto, não se qualifica [para cumprir a profecia]


Mas e quanto ao tempo do sinal? Não seria este um sinal para Acaz? Tal tipo de Sinal deveria ocorrer em um curto período de tempo, por isso, o cumprimento mais provável dessa profecia só pode ter sido cumprido em Ezequias, filho de Acaz, como sugerem alguns, ou então, mais propriamente, no filho Isaías. A Passagem  no capítulo 8, que relata o nascimento do filho de Isaías tem forte paralelo com Isaías 7:14. Todavia, tal semelhança, ainda que importante, não se refere ao mesmo sinal anterior, que na verdade, não foi simplesmente prometido para Acaz, mas para toda a casa de Davi (cf. vrs 13), ou seja, toda a descendência davídica posterior estava implicada nessa profecia, o que torna o seu cumprimento a longo prazo. Ezequias não se enquadra nessa profecia,  pois ele já era nascido e era co-regente com seu pai desde 728 a.c, e o nome do filho de Isaías não é Emanuel (Deus Conosco), o que implica bençãos e comunhão da nação hebraica, mas sim Maer-Salal- Hás- Baz (Rápido a presa, veloz ao despojo), que demonstrava o juízo de Deus contra a Síria e Damasco. Há um paralelo de Hás-Baz com Emanuel, mas os dois são diferentes tipos de sinais. Joseph Ratzinger afirma que a interpretação de que o "Deus conosco" seja Ezequias é uma tese que não encontra apoio em parte alguma, concernente ao sinal ser o filho de Isaías, Ratzinger é categórico: essa tentativa simplesmente não convence. Cabe-se ressaltar que Isaías afirma que o menino cresceria em um ambiente pobre, sendo dificilmente aplicado a Hás-Baz, que receberia todo o cuidado especial, haja vista Isaías ter ligações, possivelmente parentais, com a nobreza de Judá. Outro fator importante é que todas as características apresentadas pelo Emanuel, listadas em Isaías 9:6, não se aplicam a Hás-Baz.

Há luz de tudo o que foi exposto, sendo que o contexto de Isaías claramente refere-se a uma cadeia messiânica (O "Deus Conosco" é também o mesmo menino dado em Isaías 9:6 e em outras referências; Cf Is 7:14; 8:8b; 11:1-5). A meu ver, dentro do âmbito conservador, a melhor interpretação é que tal sinal dado à casa de Davi  é única e exclusivamente messiânica. Mesmo analisando dentro da perspectiva do método histórico-crítico, Ratzinger afirma: "Sim, eu creio que hoje, depois de toda a laboriosa pesquisa da exegese crítica, compartilhar, de modo totalmente novo,  a maravilha pelo fato de que uma Palavra do ano 733 a.c, que ficara incompreensível, se cumpriu na concepção de Jesus Cristo: na verdade, Deus deu-nos um grande  sinal que diz respeito ao mundo inteiro"². Por fim, Norman Geisler : Se ambos, a Septuagintae o Novo Testamento Inspirado afirmam que este [verso] refere-se na verdade a uma virgem, só pode se referir a Cristo somente".

CONCLUSÃO:

Nessa época festiva, onde encontramos  milhares de árvores nórdicas e papais noéis em shopping centers e lojas em geral, é fácil nos distrairmos e esquecermos o verdadeiro significado da celebração do natal. Todavia, o fato das Escrituras, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, aludirem ao nascimento do Senhor Jesus nos mostra o real sentido da celebração natalícia  é na manjedoura que aponta para o Calvário, e não no Polo Norte. É nesse contexto que temos que celebrar tal importante data. Cristo Jesus veio a este mundo, se fez pobre, para que fossemos ricos (2 Co 8:9). No natal, podemos parar e pensar que Deus está conosco. Cristo Jesus, o Deus-homem, nunca abandonará os que creem em Seu nome.

Soli Deo Gloria

Notas:

[1] Não quero dizer com isso que Ortlund esteja comprometido com a visão Liberal, pois o próprio restante de se comentário demonstra claramente um apego as doutrinas ortodoxas da fé cristã.

[2] Devido a sua orientação católica, Ratzinger busca proteger não somente a doutrina do nascimento virginal de Cristo, mas também enfatizar a posição de Maria como virgem. algo demonstrado ligeiramente no decorrer de sua escrita. Como evangélico, não se posso comungar de tal tipo de pensamento.


Referências:

GEISLER, Norman. Enciclopédia de Apologética. São Paulo: Vida, 2008.

HORNTON, Stanley. Isaías: O Profeta Messiânico. 7° Impressão, Rio de Janeiro: CPAD, 2011.

ORTLUND, Raymond. Isaías - Deus Salva Pecadores. Rio de Janeiro, CPAD: 2012.

RATZINGER, Joseph. A Infância de Jesus. São Paulo: Planeta, 2012.

3 comentários:

Marcello de Oliveira disse...

Shalom!

Um excelente NATAL, com o Pêle Yoets, , El Guibor, Avi AD, Sar Shalom!

Att, Pr Marcello de Oliveira

Memórias das Assembleias de Deus disse...

Excelente exposição bíblica e reflexão sobre o verdadeiro natal.

Aproveito para desejar ao Geração que Lamba um Feliz Natal é um 2013 muito abençoado. Já estava sentindo falta das postagens da equipe amada do GQB.

Abraço!

Victor Leonardo Barbosa disse...

Amados irmãos Marcello Oliveira e Mário Sérgio, Obrigado pelas felicitações! Que Deus os abençoe grandemente com um Natal e Ano Novo Repleto de comunhão e adoração ao nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, o Emanuel, Deus Conosco!

P.S: Irmão Mário, pela graça de Deus, esperamos postar mais artigos em 2013, Obrigado pelo incentivo!

Forte Abraço!