sexta-feira, julho 15, 2016

O Deus que se explica – Uma reflexão sobre o tema da canção do momento.



O leão rugiu, quem não temerá? O SENHOR Deus falou, quem não profetizará?” (Am 3.8)



Alguns dias atrás os debates nas redes sociais ficaram acirrados com a canção “Ninguém Explica Deus” do grupo de louvor cristão Preto no Branco. Devido ao enorme sucesso da música entre os evangélicos, logo surgiram análises acerca do conteúdo da canção, como os produzidos pelo blog Cante as Escrituras e por meu amigo e irmão em Cristo João Paulo Mendes1. Meu propósito não é analisar a música em si (algo já feito pelo Cante e outros blogs de maneira bem mais competente), mas sim analisar justamente o tema proposto pela música: Será que ninguém “explica a Deus”? Ou melhor, será que Deus é “explicável”? É o que veremos a seguir.


É importante desde já afirmar que realmente não tem como alguém conseguir explicar  Deus em sua plenitude. Ou seja, ninguém consegue explicar de maneira absoluta e total a pessoa e o ser de Deus, ou proferir um discurso exaustivo acerca d'Ele, de seus planos e propósitos. O apóstolo Paulo, após falar extensivamente acerca do mistério da predestinação e providência de Deus na História da Redenção, termina a seção de Romanos 9-11 de forma impactante, como se tivesse chegado no limite daquilo que poderia falar. O apóstolo irrompe de maneira abrupta  um retumbante hino de louvor:

Ó profundidade das riquezas tanto da sabedoria como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Porque quem compreendeu a mente do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele, e por ele, e para ele são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém! (Rm 11.33-36)

O fato  que ninguém pode compreender ou explicar a Deus de forma plena é algo totalmente estabelecido. Isso se dá pela simples realidade de que, se realmente o explicássemos, ele não seria Deus. Todavia, o fato de não explicarmos ou expressarmos tudo o que é possível acerca de Deus não significa que esse assunto esteja encerrado. Não, há mais coisa a se dizer.

Uma questão extremamente importante é que Deus é um Deus que explica a si mesmo. Ou, como a fé cristã mais propriamente afirma: Deus revela a Si mesmo. Em seu livro clássico sobre pregação, o Teólogo John Stott afirma sem rodeios: “Deus tem falado. Ele não somente é comunicativo por sua própria natureza, como também realmente se comunicou com o seu povo mediante a fala.” E ainda: “dava-se ao trabalho de explicar [ênfase minha] o que estava fazendo”2. Pouco antes, Stott, comentando João 8.12, afirmava: “A declaração de João que Deus é luz e não possui treva nenhuma significa que Deus é manifesto e não secretivo, e que se deleita em ser conhecido. Podemos dizer, portanto, que assim como brilhar é da natureza da luz, também é da natureza de Deus revelar-se3. As declarações de Stott refletem profundamente a verdade bíblica. Contrariando Immanuel Kant, que afirmava que uma realidade transcendental (ou “numenal”) não pode ser realmente conhecida pela mente humana e pela ordem natural, o apóstolo Paulo já afirmava que Deus já se revelava pela natureza, e que “as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo e seu eterno poder como a sua divindade se entendem e claramente se veem pelas coisas que estão criadas”, o que faz com que o homens, no dizer do apóstolo, fiquem sem desculpa de ignorância.

Seguindo um pensamento semelhante em uma apresentação distinta, o teólogo e crítico textual Edward F. Hills, seguindo seu professor Cornelius Van Till, afirmou: “Na natureza, nas escrituras e no evangelho de Cristo Deus revela-se a si mesmo, não meras evidências da sua existência, não meras doutrinas concernentes acerca d'Ele, não meramente uma história de seu lidares com os homens, mas a SI MESMO (ênfase do autor)”4. O que acontece hoje em nossa cultura foi aquilo que foi constatado por Carl F. Henry há cerca de 40 anos: O homem ocidental vive uma crise de confiança no que diz respeito à palavra, quer falada, quer escrita. E logo, sua crise obviamente acaba inevitavelmente chegando na própria conceituação e adquirição de informação autêntica. Ou seja, na própria forma de adquirir conhecimento e entendimento da realidade que o cerca.

”Os teólogos radicais que menosprezam, eles mesmos, a verbalização cristã frequentemente empregam um dilúvio de palavras para depreciar ou minar a importância das palavras para a teologia. Se palavras forem consideradas intrinsecamente não confiáveis, então o futuro de uma teologia de revelação verbal e a proclamação verbal do evangelho – ou, no fim das contas, de qualquer outra formulação escrita ou falada – é, de fato, sombrio.5

Não há como não associar as palavras de Henry ao refrão da música do Preto no Branco: “teologia pra explicar ou Big bang pra disfarçar/Ninguém explica Deus”. Sendo que em alguns versos antes, se diz que Deus “ Se revelou aos seus, do crente ao ateu”. Só podemos objetar: das duas, uma; ou o compositor mergulhou tão profundamente em seu subjetivismo que não enxergou uma contradição total nos versos, mas os aceitou devido à beleza da rima, ou então ele não crê que a Revelação de Deus seja de fato em palavras.

Ainda que eu pense que a primeira opção seja a verdadeira, é bom atentarmos brevemente para a segunda. É comum nos círculos neo-ortodoxos ou pós-moderno é acerca da transcendência de Deus que não há espaço para uma revelação verbal. Esses teólogos auto-contradizentes, como exposto por Henry, ignoram duas coisas: Tanto a onipotência de Deus quanto sua imago. O homem não possui simplesmente a imagem de Deus. Ele é a imagem de Deus.

O conceito de Imago Dei encontra sua plenitude sem sombra de dúvida na pessoa de Jesus. Ele é o Logos de Deus. Expressão rica na língua grega, que expressa inúmeros conceitos. Ainda que de maneira limitada, as traduções da Bíblia seguem expressões adequadas: Jesus é a Palavra, ou o Verbo de Deus. É o Deus que se revela, que se comunica. Ele é aquele que é “A Imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação”(Cl 2.9). Vemos então que a forma física de Adão foi criada levando em conta a forma que o Verbo iria ter quando se fizesse carne, quando assumisse nossa humanidade.

Algo importante que nosso Senhor falou claramente é da autoridade da Escritura acerca dessa revelação. Podemos falar claramente dela como sendo “A Palavra de Deus”, até mesmo (parafraseando Edgar R. Lee no livro Panorama do Pensamento Cristão) o “exalar do Espírito”. A definição de Hills é bastante adequada. Temos uma revelação tripla: O Deus que se revela na natureza, nas Escrituras e no Evangelho - a Boa Nova que veio ao mundo, O “Emanuel, [que] traduzido é: Deus conosco” (Mt 1.23b) . Nessa revelação, Deus revela a si mesmo.

Se temos um Deus que se revelou, logo, temos também um Deus que se revela, ou que “explica” quem é e o que está fazendo. Obviamente, não temos como conhecer a Deus de forma total, porém de forma suficiente, Ele é o “grande Eu Sou”. Porém, quando vamos às Escrituras, vamos à Cristo, que diz: “Ninguém conhece quem é o Filho, senão o Pai, e ninguém quem é o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Lc 10.22). Em Cristo, podemos conhecer a Deus de maneira extremamente pessoal. E então encontramos nosso propósito, como sintetizado de maneira atemporal no Catecismo Menor de Westminster: “Qual é o fim principal do Homem? Resposta: O fim principal do homem é glorificar a Deus, e se deleitar nele para sempre”

Conclusão.


Podemos estar certos que podemos falar de maneira adequada de Deus e que por certo podemos, dentro dos devidas limitações, “explicá-lo”, pois Ele mesmo se revelou. Quando lermos a Palavra, que tenhamos o incentivo do profeta Oseias, que não sejamos um povo que perece porque lhe faltou conhecimento, mas sim: “Conheçamos, e prossigamos em conhecer o Senhor. A sua saída, como a alva, é certa; e ele a nós virá como a chuva, chuva serôdia que rega a terra.” (Os 6.3). Que esse seja o foco de nossa vida, e o ardente desejo de nosso ser.

AMÉM.

Soli Deo Gloria


1O artigo de J. P. Mendes está disponível em: < http://joaopaulo-mendes.blogspot.com.br/2016/07/ninguem-explica-deus-o-incognoscivel.html> onde o autor trata de maneira muito apropriada acerca do fato de não termos um conhecimento pleno do ser de Deus. Como o leitor há de notar, procuro focar na questão oposta, porém sem entrar em contradição com o artigo de João Paulo.
2STOTT, John. Eu creio na Pregação. Tr. Gordon Chown. São Paulo: Vida, 2003. p.100
3Op. Cit. p.99
4HILLS, Edward F. The King James Version Defended. 4° ed.Des Moines: Christian Research Press, 2001.p.4
5HENRY, Carl F. Deus, Revelação e Autoridade – O Deus que fala e age. Tr. Estevan Kirschnner. São Paulo: Hagnos, 2016. p.31

Um comentário:

João Paulo Mendes disse...

Prezado Leonardo, a Paz do Senhor


Parabéns pela postagem, muito esclarecedora; que bom podermos refletir assim sobre o tema.

Ressalto a frase: "Obviamente, não temos como conhecer a Deus de forma total, porém de forma suficiente." Excelente reflexão.

Abraço.

João Paulo