“O leão rugiu,
quem não temerá? O SENHOR Deus falou, quem não profetizará?”
(Am 3.8)
Alguns dias atrás os debates nas redes sociais ficaram acirrados com a canção “Ninguém Explica Deus” do grupo de louvor cristão Preto no Branco. Devido ao enorme sucesso da música entre os evangélicos, logo surgiram análises acerca do conteúdo da canção, como os produzidos pelo blog Cante as Escrituras e por meu amigo e irmão em Cristo João Paulo Mendes1. Meu propósito não é analisar a música em si (algo já feito pelo Cante e outros blogs de maneira bem mais competente), mas sim analisar justamente o tema proposto pela música: Será que ninguém “explica a Deus”? Ou melhor, será que Deus é “explicável”? É o que veremos a seguir.
É importante desde já
afirmar que realmente não tem como alguém conseguir explicar Deus
em sua plenitude. Ou seja, ninguém consegue explicar de maneira absoluta e total a pessoa e o ser de Deus, ou proferir um discurso
exaustivo acerca d'Ele, de seus planos e propósitos. O apóstolo
Paulo, após falar extensivamente acerca do mistério da
predestinação e providência de Deus na História da Redenção,
termina a seção de Romanos 9-11 de forma impactante, como se
tivesse chegado no limite daquilo que poderia falar. O apóstolo
irrompe de maneira abrupta um retumbante hino de louvor:
Ó profundidade das riquezas tanto da sabedoria como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Porque quem compreendeu a mente do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele, e por ele, e para ele são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém! (Rm 11.33-36)
O fato que ninguém
pode compreender ou explicar a Deus de forma plena é algo totalmente estabelecido. Isso se dá pela simples realidade de que, se realmente o explicássemos, ele não seria
Deus. Todavia, o fato de não explicarmos ou expressarmos tudo o que
é possível acerca de Deus não significa que esse assunto esteja
encerrado. Não, há mais coisa a se dizer.
Uma questão
extremamente importante é que Deus é um Deus que explica a si
mesmo. Ou, como a fé cristã mais propriamente afirma: Deus revela a
Si mesmo. Em seu livro clássico sobre pregação, o Teólogo John
Stott afirma sem rodeios: “Deus tem falado. Ele não somente é
comunicativo por sua própria natureza, como também realmente se
comunicou com o seu povo mediante a fala.” E ainda: “dava-se ao
trabalho de explicar [ênfase minha] o que estava fazendo”2.
Pouco antes, Stott, comentando João 8.12, afirmava: “A
declaração de João que Deus é luz e não possui treva nenhuma
significa que Deus é manifesto e não secretivo, e que se deleita em
ser conhecido. Podemos dizer, portanto, que assim como brilhar é da
natureza da luz, também é da natureza de Deus revelar-se”3.
As declarações de Stott refletem profundamente a verdade bíblica.
Contrariando Immanuel Kant, que afirmava que uma realidade
transcendental (ou “numenal”) não pode ser realmente conhecida
pela mente humana e pela ordem natural, o apóstolo Paulo já
afirmava que Deus já se revelava pela natureza, e que “as suas
coisas invisíveis, desde a criação do mundo e seu eterno poder
como a sua divindade se entendem e claramente se veem pelas coisas que
estão criadas”, o que faz com que o homens, no dizer do
apóstolo, fiquem sem desculpa de ignorância.
Seguindo um pensamento
semelhante em uma apresentação distinta, o teólogo e crítico
textual Edward F. Hills, seguindo seu professor Cornelius Van Till,
afirmou: “Na natureza, nas escrituras e no evangelho de Cristo Deus
revela-se a si mesmo, não meras evidências da sua existência, não
meras doutrinas concernentes acerca d'Ele, não meramente uma
história de seu lidares com os homens, mas a SI MESMO (ênfase do
autor)”4.
O que acontece hoje em nossa cultura foi aquilo que foi constatado
por Carl F. Henry há cerca de 40 anos: O homem ocidental vive uma
crise de confiança no que diz respeito à palavra, quer
falada, quer escrita. E logo, sua crise obviamente acaba
inevitavelmente chegando na própria conceituação e adquirição de
informação autêntica. Ou seja, na própria forma de adquirir
conhecimento e entendimento da realidade que o cerca.
”Os teólogos radicais que menosprezam, eles mesmos, a verbalização cristã frequentemente empregam um dilúvio de palavras para depreciar ou minar a importância das palavras para a teologia. Se palavras forem consideradas intrinsecamente não confiáveis, então o futuro de uma teologia de revelação verbal e a proclamação verbal do evangelho – ou, no fim das contas, de qualquer outra formulação escrita ou falada – é, de fato, sombrio.”5
Não há como não
associar as palavras de Henry ao refrão da música do Preto no
Branco: “teologia pra explicar ou Big bang pra disfarçar/Ninguém
explica Deus”. Sendo que em alguns versos antes, se diz que
Deus “ Se revelou aos seus, do crente ao ateu”. Só
podemos objetar: das duas, uma; ou o compositor mergulhou tão
profundamente em seu subjetivismo que não enxergou uma contradição
total nos versos, mas os aceitou devido à beleza da rima, ou então
ele não crê que a Revelação de Deus seja de fato em palavras.
Ainda que eu pense que
a primeira opção seja a verdadeira, é bom
atentarmos brevemente para a segunda. É comum nos círculos
neo-ortodoxos ou pós-moderno é acerca da transcendência de Deus
que não há espaço para uma revelação verbal. Esses teólogos
auto-contradizentes, como exposto por Henry, ignoram duas coisas:
Tanto a onipotência de Deus quanto sua imago. O homem não
possui simplesmente a imagem de Deus. Ele é a imagem de Deus.
O conceito de Imago
Dei encontra sua plenitude sem sombra de dúvida na pessoa de
Jesus. Ele é o Logos de Deus. Expressão rica na língua grega, que
expressa inúmeros conceitos. Ainda que de maneira limitada, as
traduções da Bíblia seguem expressões adequadas: Jesus é a
Palavra, ou o Verbo de Deus. É o Deus que se revela,
que se comunica. Ele é aquele que é “A Imagem do Deus invisível,
o primogênito de toda a criação”(Cl 2.9). Vemos então que a
forma física de Adão foi criada levando em conta a forma que o Verbo iria ter quando se fizesse carne, quando assumisse nossa
humanidade.
Algo importante que
nosso Senhor falou claramente é da autoridade da Escritura acerca
dessa revelação. Podemos falar claramente dela como sendo “A Palavra de Deus”, até mesmo (parafraseando Edgar R. Lee no livro Panorama do Pensamento Cristão) o “exalar do Espírito”. A
definição de Hills é bastante adequada. Temos uma revelação
tripla: O Deus que se revela na natureza, nas Escrituras e no
Evangelho - a Boa Nova que veio ao mundo, O “Emanuel, [que] traduzido
é: Deus conosco” (Mt 1.23b) . Nessa revelação, Deus revela a
si mesmo.
Se temos um Deus que
se revelou, logo, temos também um Deus que se revela, ou que
“explica” quem é e o que está fazendo. Obviamente, não temos
como conhecer a Deus de forma total, porém de forma
suficiente, Ele é o
“grande Eu Sou”. Porém,
quando vamos às Escrituras, vamos à Cristo, que diz:
“Ninguém conhece quem é o Filho, senão o Pai, e ninguém quem é
o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar”
(Lc 10.22). Em Cristo, podemos conhecer a Deus de maneira
extremamente pessoal. E então encontramos nosso propósito, como
sintetizado de maneira atemporal no Catecismo Menor de
Westminster: “Qual é o fim principal do Homem? Resposta: O fim
principal do homem é glorificar a Deus, e se deleitar nele para
sempre”
Conclusão.
Podemos estar certos que podemos falar de maneira adequada de Deus e que por certo podemos, dentro dos devidas limitações, “explicá-lo”, pois Ele mesmo se revelou. Quando lermos a Palavra, que tenhamos o incentivo do profeta Oseias, que não sejamos um povo que perece porque lhe faltou conhecimento, mas sim: “Conheçamos, e prossigamos em conhecer o Senhor. A sua saída, como a alva, é certa; e ele a nós virá como a chuva, chuva serôdia que rega a terra.” (Os 6.3). Que esse seja o foco de nossa vida, e o ardente desejo de nosso ser.
AMÉM.
Soli Deo
Gloria
1O
artigo de J. P. Mendes está disponível em: <
http://joaopaulo-mendes.blogspot.com.br/2016/07/ninguem-explica-deus-o-incognoscivel.html>
onde o autor trata de maneira muito apropriada acerca do fato de não
termos um conhecimento pleno do ser de Deus. Como o leitor há de notar,
procuro focar na questão oposta, porém sem entrar em contradição
com o artigo de João Paulo.
2STOTT,
John. Eu creio na Pregação. Tr. Gordon Chown. São Paulo:
Vida, 2003. p.100
3Op.
Cit. p.99
4HILLS,
Edward F. The King James Version Defended. 4° ed.Des Moines:
Christian Research Press, 2001.p.4
5HENRY,
Carl F. Deus, Revelação e Autoridade – O Deus que fala e
age. Tr. Estevan Kirschnner. São Paulo: Hagnos, 2016. p.31
Um comentário:
Prezado Leonardo, a Paz do Senhor
Parabéns pela postagem, muito esclarecedora; que bom podermos refletir assim sobre o tema.
Ressalto a frase: "Obviamente, não temos como conhecer a Deus de forma total, porém de forma suficiente." Excelente reflexão.
Abraço.
João Paulo
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