segunda-feira, janeiro 09, 2017

Vale a Pena Ler: As Crônicas de Olam (Vol. 1 e 2)


É fato um tanto quanto conhecido que algumas das maiores obras da literatura ocidental foram escritas por cristãos ou por pessoas que tiveram formação educacional dentro de uma estrutura de pensamento cristã. Dentre estes clássicos se destacam aqueles de língua inglesa bem conhecidos, como Paraíso Perdido, de John Milton, O Peregrino, de John Bunyan, A Letra Escarlate, de Hawthorne e Moby Dick, de Mellville. Mais recentemente a cosmovisão cristã se fez presente na área da fantasia, a partir de livros como As Crônicas de Nárnia, de C. S. Lewis, e O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien. 

Na língua portuguesa, a história é outra. Ainda que hajam obras magnas com alguns elementos cristãos, uma obra de fantasia com uma perspectiva cristã até tempo atrás era algo bastante improvável. Isso foi até 2011, quando o pastor Leandro Lima adotou o nome autoral de L. L. Wurlitzer e publicou o livro Olam - Crônicas de Luz e Sombras. O livro era uma obra de ficção, de gênero de fantasia, baseando-se na cultura hebraica e escrito partindo de uma estrutura de pensamento cristã. Dois anos depois, Wurlitzer publicou Olam - Crônicas do Mundo e Submundo. Ambas as obras foram publicadas pela Editora Fiel com o selo Tolk Publicações, que se dedica a publicar obras da mesma linha de fantasia. O título sofreu alterações, sendo que passou a ser As Crônicas de Olam: Luz e Sombras e As Crônicas de Olam: Mundo e Submundo. A partir de agora, passemos a analisar ambas as obras, até então publicadas (um terceiro volume é ansiosamente aguardado). Elementos importantes da trama serão notificados com a expressão em inglês Spoiler Alert.

A Trama:

Wurlitzer procura apresentar uma fantasia narrativa, onde um jovem de passado desconhecido e misterioso, Ben, procurando por seu misterioso mestre, Enosh, acaba por se envolver em uma jornada épica para reativar o chamado "Olho de Olam", uma pedra preciosa (que faz parte de um conjunto de pedras chamadas Shoham) que é capaz de repelir seres das trevas, dentre os quais se destacam os Shedins, Nephilins e Oboths. Para isso, Ben, juntamente com seus amigos Leannah, Adin, a bela Tzizah e o Guiborim Kenan, passarão por uma jornada épica que culminará em batalhas explosivas e na própria descoberta pessoal do jovem, também chamado de "Guardião de Livros".

A Obra:

A cultura hebraica permeia todo o livro. Nomes como El, Giborim, Kenan, Ben, Thamam, Saraph e Mashchit são todos de origem semítica e estão presentes na Bíblia, porém não se deve esperar um elemento diretamente alegórico, como no Peregrino de Bunyan ou simbólico, como em Nárnia. Olam segue uma linha bem Tolkeana (a influência do escritor inglês é bastante notável em alguns elementos dos livros), apresenta um mundo imaginário e uma boa história, escrita dentro um padrão ético cristão. As criaturas descritas no livro se assemelham como são descritas no folclore Hebraico. Leviathan e Behemot não são, por exemplo, apresentados como dinossauros, mas, respectivamente, como um dragão mitológico e como uma versão ancestral do Godzilla. Por isso, não se pode tentar encontrar um equivalente exato em cada personagem ou episódio, mas sim atentar para as verdades teológico-espirituais apresentadas no decorrer da trama.

Análise:

Há muitos pontos positivos a se ressaltar nos dois volumes: apesar de ser uma obra de fantasia, percebe-se que foi muito bem escrita no que tange à reflexão teológica. O autor apresenta temas teológicos de forma clara, sem ambiguidade. Ainda que todos os personagens apresentem defeitos e algum nível de corrupção moral (e cometam pecados), nada fica turvo. Não há aqui uma moralidade cinzenta, como vista na obra de George Martin. 

Ambos os volumes apresentam uma qualidade altíssima de boa escrita. O autor, que é doutor em
literatura e teólogo evangélico, apresenta uma qualidade descritiva como poucos escritores desse gênero. Num instante, o leitor consegue visualizar mentalmente cada detalhe descrito por Wurlitzer, tem-se a impressão de estar assistindo a um épico direto de uma tela cinema (não é à toa que uma adaptação cinematográfica já foi ventilada por alguns leitores). O domínio narrativo também se destaca. A trama desenvolve-se de maneira leve e natural, o leitor não sente a necessidade de reler alguma página, pois entendeu bem o parágrafo e ansiosamente procura o seguinte.

Spoiler Alert

(Leia o restante da análise somente após a conclusão da leitura dos dois volumes de As Crônicas de Olam.)


Wurlitzer também conduz uma boa trama de mistério. Afinal, quem é Ben? De onde ele veio? E os outros personagens, quem são? À medida que a narrativa avança, não somente nos perguntamos quem é Ben, mas quem são Thamam, Kenan e Gever? Ainda que muitas respostas sejam esclarecidas no segundo volume, nem tudo está completo, inclusive o passado de Ben. 

Um ponto negativo se encontra às vezes na duração de alguns momentos da trama (a ida de Ben ao Abadom para buscar Thamam, ou melhor, Tutham) no segundo volume, ainda que escrita para o leitor propositalmente se sentir claustrofóbico, cansa em determinados momentos. Outro ponto negativo deve-se a um fator externo que acaba prejudicando um pouco a qualidade interna. Como os dois volumes foram escritos anteriormente por Wurlitzer de maneira independente, o autor precisou reescrever algumas frases e detalhes incidentais da narrativa para o relançamento pela Tolk Publicações, o que não somente atrasou substancialmente a publicação do terceiro volume, como também em alguns poucos momentos, acaba por empobrecer a narrativa. Façamos uma breve comparação aqui do capítulo final do volume 2 (mundo e submundo):

"Ben levantou os olhos e viu quando eu abri a capa que me envolvia. Ele subiu o olhar e enxergou um colar no meu pescoço. E nele, dependurada uma pedra. Dela emanava um forte brilho branco"  (Tolk Publicações).

"Ben levantou os olhos e viu quando eu abri a capa que me envolvia. Ele subiu o olhar e enxergou um colar no meu pescoço. E nele, dependurada uma pedra branca. Dela emanava um brilho capaz de afugentar as trevas" (Agathos Publicações).

Ainda que em ambas as edições a narrativa permanece substancialmente a mesma, a versão da Tolk apresenta um leve anticlímax quando comparada com a versão original do autor - uma curiosidade interessante é que ambos os volumes apresentam semelhanças quanto à produção gráfica. O volume 1 da Tolk/Agathos apresenta um certo relevo na capa, e o papel é do tipo mais popular. Já o volume 2 da Tolk/Agathos não apresenta relevo algum, mas o papel é mais fino e de maior qualidade.

Conclusão:

A obra de Wurlitzer contém: narrativa envolvente, escrita detalhista e imaginativa. Adiciona-se um volume precioso na estante de grandes escritores cristãos. Cada página vale a pena. A obra caminha a passos largos para ficar nas fileiras dos clássicos da fantasia e Fantasia Cristã, faltando agora apenas ser posta no lugar certo com os atos derradeiros do Guardião de Livros.


Soli Deo Gloria

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