terça-feira, julho 23, 2019

Conselhos importantes para uma Hermenêutica* pentecostal saudável.

Filósofo [ou Teólgo] Lendo, por Giuseppe Petrini

      Tratando ainda da temática do artigo anterior, faz necessário agora lidar com os princípios que devem reger uma correta interpretação das Sagradas Escrituras. Uma coisa é ter a Bíblia em alta conta como Palavra inspirada de Deus. Outra, completamente diferente, é interpretá-la de acordo com tal axioma. Diante dos novos desafios apresentados para a hermenêutica pentecostal, cabe agora reforçar e citar novamente alguns dos conselhos já consagrados para uma correta leitura e interpretação da Bíblia. Procuro aqui dar estes conselhos para crentes recém-convertidos, leitores inexperientes da Bíblia e seminaristas/obreiros que inciaram recentemente um estudo bíblico/teológico com maior profundidade. Dentre os vários conselhos importantes, destaco os cinco listados a seguir:

1). Não leia a Bíblia como um livro comum.

       A Bíblia foi escrita utilizando linguagem humana, para seres humanos, por seres humanos. Portanto, qualquer homem pode ler e por si mesmo e interpretar a Bíblia. Todavia, a Bíblia não foi produzida por vontade humana, mas "homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo" (2 Pe 1:21). Para o crente, acadêmico ou não, ler a Bíblia como Palavra de Deus deve ser algo pressuposto desde o início. A Bíblia é inspirada por Deus, portanto, é infalível e inerrante em sua natureza e em tudo o que afirma.

2). Atente para a linguagem humana da Bíblia.

        A citação do célebre Louis Gaussen, feita por Myer Perlman em sua obra Conhecendo as Doutrinas da Bíblia (Ed. Vida) é de suma importância para se interpretar corretamente a Palavra: "...É Deus quem fala no homem, é Deus quem fala por intermédio do homem, é Deus quem fala como homem, é Deus quem fala para o homem". Para uma interpretação saudável, o hábito da leitura cuidadosa deve ser fortalecido e constantemente praticado. Deve-se atentar para as palavras, sentenças, figuras de linguagem e o contexto em que os oráculos de Deus foram proferidos. Obviamente também faz-se necessário o uso de um método de interpretação para lidar com os textos, mas veremos isso com mais detalhes em artigo posterior.

3). Atente para o que o autor escreveu, e não o porquê dele ter escrito.

      À primeira vista, essa declaração soa estranha e até mesmo descabida: como podemos ignorar o motivo do autor ter escrito o que escreveu? Não seria ignorar o contexto cultural e histórico do texto? Não necessariamente. Na grande parte das ocasiões, o motivo levou o autor a escrever sobre determinado assunto se encontra no próprio texto, o que esclarece de imediato o motivo da escrita e não deve ser de forma alguma ignorado. Todavia, isso nem sempre acontece. Há várias ocasiões em que não sabemos o motivo do autor ter escrito o que escreveu, ainda que entendamos o sentido do texto ou de determinado livro.
      Tomemos como exemplo a Epístola de Paulo aos Colossenses. Quando se estuda esta epístola, é repetido ad infinitum pela grande maioria dos estudiosos bíblicos que Paulo estava lidando com algum tipo de heresia proto-gnóstica que estava ameaçando a igreja em Colosso. Todavia, não há nenhuma evidência latente que  esse seja o caso. Não há repreensão aberta a hereges ou gente facciosa feita pelo apóstolo a algum falso mestre, como vemos em Gálatas ou mesmo Filipenses, não há uma repreensão à igreja ou mesmo uma refutação de heresia particular. Os que argumentam em contrário costumam citar  Colossenses 2:8: "Tende cuidado,  para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo.", em reforço a esse pensamento costuma citar Colossenses 2:18-23. Estaria, porém, o apóstolo combatendo uma heresia dentro da igreja por algum falso mestre? ou não estaria ele, alertando os Colossenses a não caírem em tal erro que os rondava naquela cidade profundamente helenizada? Parece-me que a segunda opção faz mais justiça ao contexto geral da carta, ainda que certamente a visão mais aceita não deva ser prontamente abandonada¹.
        Outros exemplos de textos que não indicam o motivo do autor escrever podemos citar é Êx 23:19. Norman Geisler indica em sua Teologia Sistemática (Ed. CPAD) que há cinco interpretações dadas para explicar o motivo que levou Moisés a escrever o que escreveu, diante disso, Geisler escreve: "Em outras palavras, ninguém parece saber com certeza qual o objetivo deste mandamento. Mesmo assim, todos tem certeza de seu significado na prática". Saber o motivo que levou o autor a escrever o texto nos ajuda a entender o texto, mas não é o árbitro para entendermos o significado do texto (que se encontra no texto). Nas palavras de Geisler: "o que é dito claramente está separado do motivo pelo que se diz alguma coisa"².

4). Procure o sentido natural do texto.

         Não há motivo para procurar um significado oculto no texto. Deve-se ler as escrituras levando em conta o sentido normal do texto bíblico, atentando obviamente, para as figuras de linguagem que o autor usa, o gênero que ele emprega e obviamente o contexto histórico-cultural em que o autor está inserido, conhecimento este que pode ser adquirido através de comentários bíblicos, livros acerca da história de Israel e livros que tratam do mundo antigo e a cultura do Novo Testamento.

5). Leia a Bíblia em adoração.

        Esse certamente é um dos pontos mais importantes. Haja vista a Bíblia não ser somente um livro humano, mas também um livro divino, para se ter realmente um entendimento das dimensões espirituais da Bíblia e experimentar orientação do Espírito, é necessário ler a Bíblia com um espírito de humildade, oração e adoração. Eric Lund e P. C. Nelson, em sua obra Hermenêutica (Ed. Vida), resumem bem esse tipo de atitude: deve-se ler a Bíblia com um espírito dócil, respeitoso, amante da verdade, paciente no estudo e prudente na leitura texto bíblico.


        Tais conselhos, que nada possuem de inovação, porém são perenes e extremamente necessários para todo o crente leitor da Bíblia, e para que todo o obreiro da casa de Deus não se envergonhe, e saiba manejar bem a Palavra da Verdade.

Amém! 

Soli Deo Gloria

* Ainda que eu utlize aqui a expressão "Hermenêutica Pentecostal", particularmente não me sinto confortável com a expressão. Parafraseando o teólogo e pastor pentecostal Geremias Couto, a Hermenêutica cristã deve ser bíblica e apontar para o entendimento cristão fiel e expresso no decorrer dos séculos. Todavia, a expressão, ainda que carregada de uma orientação teológica em particular, ao mesmo tempo serve para reforçar ou examinar a fidelidade do sistema ou confissão de fé à luz das Sagradas Letras. No caso em questão, a confissão de fé pentecostal, deve estar alinhada com o pensamento evangélico tradicional.

NOTAS:
1. D. A. Carson, de quem sou devedor nesta abordagem acerca da epístola aos Colossenses,  elogia o trabalho de Morna D. Hooker, que trata propriamente dessa temática. Tal elogio se encontra no pequeno livreto publicado por Edições Vida Nova: Teologia Bíblica ou Teologia Sistemática? . A abordagem de Morna, todavia, foi duramente criticada por F. F. Bruce, em artigo publicado no jornal teológico Bibliotheca Sacra, intitulado The Colossian Heresy, disponível aqui.
2. O capítulo da Sistemática de Geisler acerca do pressuposto hermenêutico de leitura bíblica deve ser lido por todo o estudante e leitor que preza pela Bíblia e a reconhece como Palavra de Deus.

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