sexta-feira, novembro 25, 2011

Lendo para fugir e fugindo para ler.


"Desviei os meus pés de todo o caminho mau, para observar a tua palavra" (Salmo 119.101).

A luta contra o pecado é uma luta diária. Às vezes passamos por momentos "de trégua", mas isto não passa de ilusão, pois são nos momentos de aparente paz que tendemos a vigiar menos e, portanto, a cair quando menos esperarmos. E esta verdadeira guerra é travada de diferentes formas entre os irmãos em Cristo. O que para um de nós é uma grande batalha, pode não ser tão difícil assim de ser vencido para outro, e vice-versa. Mas, independente de qual seja o ponto fraco, cada um dos santos é tentado pelo pecado.

Entretanto, conscientizar-nos desta guerra feroz não é o bastante para vencê-la; assim como o simples saber que há um rifle apontado para a sua cabeça, não é suficiente para livrar da morte um soldado na guerra. É necessário sair da mira do pecado de modo ativo. Pois ficar esperando pela "sorte" de o nosso inimigo errar o alvo do nosso coração é simplesmente loucura! É imprescindível que corramos o mais rápido que pudermos para um lugar seguro, a fim de estarmos longe, bem longe, da mira do diabo.

Qual é, então, tal atitude de fuga ativa não somente das minhas grandes lutas, mas também as de todos os cristãos? A resposta é simples: a leitura bíblica. Isto pode aparecer frustrante para você, eu sei. Porque talvez você tenha buscado solucionar a sua falta de espiritualidade de muitas outras formas supostamente mais radicais como: jejuar por vários dias, não assistir televisão, não acessar o Facebook; e quem sabe você fez até um propósito de não acessar a internet durante um grande intervalo de tempo... Mas fique certo disto: em si mesmo, nada disso pode guardá-lo do pecado.

Eu sei que muitas vezes verdadeiramente é preciso fazer tudo isto que foi acima citado, mas o que estou afirmando é que sem ter a leitura bíblica como o fundamento sólido de sua fuga do pecado, todas estas coisas não passarão de superficialidade.

Portanto, analisemos o porquê de ler a Bíblia é a grande solução para vencermos a nossa luta contra a carne:

1) "Desviei os meus pés de todo o caminho mau..."

O salmista, inspirado pelo Espírito Santo de Deus, descreve a primeira etapa de nossa vitória contra o pecado: desviar-se do caminho mau.

O desviar-se do mal é fruto de um coração sábio, como escreveu o grande rei Salomão: "O sábio teme e desvia-se do mal, mas o tolo encoleriza-se e dá-se por seguro"[1]. E esta tem de ser a nossa atitude sincera: afastar-nos do pecado. Nós conhecemos as nossas fraquezas e, ao invés de testar a nós mesmos tentando descobrir até que ponto podemos ficar perto do pecado sem cair nele, devemos fugir delas e dos caminhos que podem nos levar até elas. Isto prova o nosso coração. Pois alguém que de fato quer vencer o pecado não pode ser lerdo ou desatento nesta batalha: precisamos fugir sobriamente do pecado.

2) "...Para observar a tua palavra."

Eis o porquê de fugirmos do pecado: para observar a palavra de Deus.

Lembre-se que este é um verso só, que possui uma ordem importante. Pois fugir do pecado para fazer outra coisa que não seja observar a palavra do Senhor é "morrer à beira da praia". Fuga do pecado e leitura bíblica são coisas que sempre andam juntas, pois uma gera a outra ciclicamente. Ou seja, nós fugimos do pecado para ler a Bíblia, e lemos a Bíblia para fugir do pecado, e assim sucessivamente, de modo que isso é algo constante em nossa caminhada cristã.

Diante do que já foi dito surge uma questão: "se eu sou um pecador, como posso ter forças para me afastar da iniquidade e, no lugar disto, buscar a Palavra de Deus?" Isto é muito interessante de ser analisado, pois se nos atermos somente no verso 101 do maior de todos os salmos poderemos cair em um erro antropocêntrico e legalista: o de achar que a nossa santificação provém de nós mesmos, e que ela depende fundamentalmente de nosso desempenho em buscar a Deus, porquanto "o desviar-se do caminho mau" vem antes do "observar a palavra". Mas para não cairmos em tal erro é necessário lermos outros versos deste maravilhoso salmo. Vejamos alguns:

"Escondi a tua palavra no meu coração, para eu não pecar contra ti"[2]: neste verso nós vemos que é o ato de guardar a Palavra no coração que irá nos preservar de pecarmos contra o Senhor;

"Considerei os meus caminhos e voltei os meus pés para os teus testemunhos"[3]: este verso mostra que a Palavra leva o cristão a considerar e discernir os seus caminhos, de modo que ele volte a observar os mandamentos de Deus em suas ações. Ou seja, por meio de Sua palavra, Deus nos repreende para que voltemos a obedecê-lo, e assim nos afastar do pecado.

"Pelos teus mandamentos alcancei entendimento; pelo que odeio todo o falso caminho"[4]: e este verso é bem direto: é pelo conhecer os mandamentos do Senhor que somos capacitados a odiar o pecado, e, portanto, fugirmos das transgressões.

Logo, o início do verso 101 ("Desviei os meus pés de todo o caminho mau") é fruto de algo que o salmista já tem retratado no decorrer desta canção inspirada: a observãncia da Palavra do Senhor Deus. Logo, a fonte de nossas forças nesta guerra é a lei do Senhor; pois é a leitura bíblica que nos leva a fugir do pecado e, por conseguinte, nos capacita a fugirmos dos maus caminhos para lermos e obedecermos à Palavra.

Tal ideia também é tratada pelo apóstolo Paulo na epístola aos filipenses: "[...] Operai a vossa salvação com temor e tremor. Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer quanto o efetuar, segundo a sua boa vontade"[5]. Portanto, conhecer esta verdade tem de nos guardar de toda a confiança em nós mesmos, e do legalismo de acharmos que é o nosso desempenho e a nossa capacidade de fugir da carne que nos mantém santos.

Que Deus nos capacite a vivermos na Sua santa Palavra, para que assim sejamos preservados em todo o nosso caminho, por amor ao nosso salvador Jesus Cristo e capacitados pelo Seu Santo Espírito.

Que Deus nos perdoe.

Notas:
[1] Pv 14.16
[2] Sl 119.11
[3] Sl 119.59
[4] Sl 119.104
[5] Fl 2.12b,13




terça-feira, novembro 15, 2011

Falando novas línguas – uma análise de 1 Co 14.


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Talvez não haja maior polêmica entre crentes de cunho tradicional e cessacionista e os pentecostais (em especial no Brasil) do que o fenômeno conhecido como “glossolalia”, ou seja, a prática espiritual do “Falar em Línguas”, que acompanha o movimento pentecostal desde o início de seu nascimento. Pode-se dizer que o dom de línguas ainda é mais debatido do que o de profecia, ainda que seja menos importante do que este. Seria o dom de línguas, assim como o de profecia, válido para hoje? Creio que debati sobre essa questão em artigo anterior, no qual tratei sobre o texto de 1 Coríntios 13. Todavia, é importante saber definir a natureza do dom de línguas, e seu correto exercício dentro do contexto da comunhão na igreja, tudo isso atentando para os preceitos da Palavra de Deus. Vejamos as dúvidas e objeções que comumente são afirmadas ou questionadas quando o assunto é a glossolalia.

- O Falar em línguas: conhecidas ou não?


Os dons de profecia e línguas estão intimamente ligados, sendo que ambos são encorajados pelo apóstolo Paulo no início do capítulo 14:

Segui o amor, e procurai com zelo os dons espirituais, mas principalmente o de profetizar. Porque o que fala em língua [desconhecida/estranha] não fala aos homens, senão a Deus, porque ninguém [o] entende, e em espírito fala mistérios. Mas o que profetiza fala aos homens [para] edificação, exortação e consolação” (vrs 1-3).

Paulo é bem enfático em seu encorajamento, apesar de todos os problemas envolvendo a igreja em Corinto, Paulo nem mesmo cogita um tipo de cessação temporária do falar em línguas, muito menos sua proibição. Todavia, os Coríntios deveriam seguir o curso da vida cristã, procurando zelosamente (zhloute) os dons espirituais, em especial o de profecia. Qual seria o motivo? Lembre-se que Paulo está tratando do correto uso dos dons dentro do contexto do culto público. Nesse contexto o dom de profecia é superior ao de línguas pelo fato que quem fala em profecia fala na linguagem comumente usada ou entendida pela congregação, quem fala em línguas aqui fala uma linguagem simplesmente não conhecida por ninguém, sendo que ninguém entende o que se está falando, mas em espírito fala com Deus coisas misteriosas (vrs 1). O resultado é a falta de edificação por parte da igreja. Há uma nítida diferença aqui entre o fenômeno descrito por Paulo e o que ocorreu no dia de pentecostes em Atos dos Apóstolos, quando a igreja fora cheia do Espírito Santo, as línguas que foram faladas ali eram idiomas conhecidos pelos que a ouviram:

E de repente veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso, e encheu toda a casa em que estavam assentados. E foram vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles.
E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem. E em Jerusalém estavam habitando judeus, homens religiosos, de todas as nações que estão debaixo do céu. E, quando aquele som ocorreu, ajuntou-se uma multidão, e estava confusa, porque cada um os ouvia falar na sua própria língua.
E todos pasmavam e se maravilhavam, dizendo uns aos outros: Pois quê! não são galileus todos esses homens que estão falando?
Como, pois, os ouvimos, cada um, na nossa própria língua em que somos nascidos [ênfase acrescentada]? Partos e medos, elamitas e os que habitam na Mesopotâmia, Judéia, Capadócia, Ponto e Ásia, e Frígia e Panfília, Egito e partes da Líbia, junto a Cirene, e forasteiros romanos, tanto judeus como prosélitos, cretenses e árabes, todos nós temos ouvido em nossas próprias línguas falar das grandezas de Deus.” (At 2:1-11).

Seriam então o falar em língua desconhecida registrada em 1 Coríntios 14 do mesmo gênero do manifesto em Atos? O contexto e as declarações de Paulo apontam para uma resposta negativa. Em atos os crentes falam “noutras línguas” (e9te)raij glwssaij = outros idiomas) , já em primeira coríntios o que fala em língua não fala a homens, mas a Deus (ou0k a0nqropoiv lalei a9lla tw qew) , sendo que “ninguém entende, mas em espírito fala mistérios”( pneumati de lalei musthria). Paulo prossegue nos versículos subseqüentes mostrando claramente que no fenômeno apresentado na igreja em Corinto os ouvintes não conseguiriam entender:
Assim também vós, se com a língua não pronunciardes palavras bem inteligíveis, como se entenderá o que se diz? Porque estareis [como] que falando ao ar. Há, por exemplo, tanta espécie de vozes no mundo, e nenhuma delas é sem significação. Mas, se eu ignorar o sentido da voz, serei bárbaro [estrangeiro] para quem falo, e ele será bárbaro para mim” (vrs 9-11).

Alguns podem contra-argumentar afirmando que Paulo incentiva os coríntios a buscarem entender os idiomas falados pelo mundo e interpretá-los para o benefício da congregação, todavia o texto não está tratando aqui se as línguas são idiomas conhecidos ou não, mas sim o que acontece se não interpretarmos, seremos bárbaros para quem falamos e eles serão bárbaros para nós, sem uma comunicação inteligível, não há como haver comunhão (vrs 16). .
O que mais distingue as línguas aqui das de mencionadas em Atos era que no dia de pentecostes as línguas eram idiomas conhecidos (porém desconhecidos para os locutores) e anunciaram as bênçãos de Deus para os descrentes. Enquanto que em 1 Coríntios, isso só pode acontecer se houver um dom espiritual de interpretação:
Está escrito na lei: Por gente de outras línguas e por outros lábios falarei a este povo, e ainda assim não me ouvirão, diz o Senhor. De sorte que as línguas são um sinal, não para os fiéis, mas para os infiéis; e a profecia não é um sinal para os infiéis, mas para os fiéis” (vrs 21-22).
A situação como descrita por Paulo era clara. Caso algum descrente entrasse na congregação a fim de acompanhar o culto a Deus e visse os Coríntios falando em línguas, isso acarretaria em juízo para ele. Paulo explica isso utilizandoo exemplo da invasão assíria profetizada por Isaías, sendo o povo de Israel fora assolado por um povo de língua desconhecida. De modo semelhante, o infiel, ao ver o culto desordenado em Corinto, não entenderia a mensagem, taxaria os Corintos como loucos e, por conseguinte, não seria salvo (vrs 23)
O falar em línguas tem como propósito básico o mesmo dos outros dons espirituais: ele é útil para a edificação da igreja e trabalha em perfeita unidade com outros dons(1 Co 12) . O dom de línguas envolve o ato de orar e adorar a Deus louvando e glorificando-o, sendo algo extremamente íntimo do crente. Esse dirigir-se a Deus em línguas manifesta-se através de oração e cânticos (vrs 15) e também pode ocorrer em maior ou menor freqüência (vrs 18).  Nesse contexto são pronunciadas coisas ininteligíveis, tanto para o ouvinte quanto para o que fala; ainda que uma mensagem direcionada aos homens possa estar incluída. A partir de 1 Coríntios 14, vemos que o foco do falar em línguas não é a homens, mas sim a Deus em primeiro lugar. Comentando sobre o versículo um, diz o teólogo Wayne Grudem:
“O ponto principal do versículo é que só Deus pode entender as línguas sem interpretação, não que Deus seja o único a quem se pode m dirigir as palavras em línguas”.[1]

Então como deveríamos analisar o falar em línguas hoje? Seria o dom de línguas constituído apenas de idiomas ou uma língua desconhecida na terra? A resposta é: ambas. As instruções do apóstolo Paulo se aplicam para todos os casos em que esse fenômeno se manifeste, quer seja um idioma conhecido por algum ouvinte, quer seja uma língua desconhecida na terra e dada de forma sobrenatural pelo Espírito Santo. Por vezes há casos na história do movimento pentecostal que mostram os dois tipos de manifestações.Cabe agora analisarmos os padrões e mandamentos bíblicos concernentes ao uso do dom de línguas.
O dom de línguas e a congregação:


Infelizmente muito do que se vê nos círculos pentecostais não é o correto uso do dom de línguas (se é que tantos possuem o dom), mas por vezes um falar descontrolado, em voz alta, que não somente prejudica a oração individual, mas o próprio desenrolar no culto. Por vezes vemos apenas o falar em línguas sem o uso de interpretação, ocorrendo que em vez da igreja ser edificada, o que ocorre nada mais é do que uma desordem no culto e muitos manifestado o dom somente pelo manifestar, tal procedimento entra em choque com os firmes mandamentos declarados pelo Apóstolo Paulo.

Nada mais necessário do que atentar para a santa recomendação do apóstolo:

Que fareis, pois, irmãos? Quando vos ajuntais, cada um de vós tem salmo, tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para a edificação. E se alguém falar em língua desconhecida, faça-se isso por dois, o quando muito três, e por sua vez, e haja intérprete. Mas se não houver intérprete, esteja calado na igreja e fale consigo mesmo, e com Deus.” (1 Co 14: 26-28).


Tal texto passa distante da leitura de muitos crentes, que acabam por cair em meninice espiritual. O texto de 1 Coríntios é claro, o falar em línguas, ainda que seja importante edifica somente aquele que fala, a nãos ser que haja alguém que interprete, nesse caso, nem mesmo deve se falar em línguas em voz alta no culto. Porém por vezes o que vemos são vários irmãos tendo os mesmos problemas que Paulo há muito procurou sanar. Os resultados são conhecidos: meninice espiritual, valorização demasiada do dom de línguas e em detrimento dos outros, escárnio e menosprezo de outros irmãos e pessoas de fora da igreja. É extremamente necessário que nossos ministros busquem serem fiéis no ensino bíblico concernente aos dons espirituais, e orientarem corretamente sua congregação na busca desses dons.
Conclusão:

O dom de línguas é uma realidade para a igreja hoje, por isso é mais do que necessário buscarmos genuinamente esse dom, porém sabendo que nem todos o receberão. Há certo tempo atrás escrevi que o maior problema das igrejas pentecostais hoje é o mesmo problema da igreja em Corinto. Ninguém está realmente tendo "ordem e decência”, e quase ninguém segue os padrões bíblicos de como tratar as línguas e profecias dentro da igreja. Todavia, tal quadro pode ser mudado. E a Escritura nos fornece clara direção para isso.





Soi Deo Gloria
Nota:


[1] GRUDEM, Wayne.Teologia Sistemática. Atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova, 1999.