quarta-feira, outubro 26, 2011

"Quando vier o que é Perfeito" - Uma análise de 1 Coríntios 13: 8-13




Desde o surgimento do movimento pentecostal, a controvérsia em torno da atualidade dos dons espirituais foi objeto de intensas disputas e controvérsias dentro do cristianismo protestante, sendo que afetou inclusive setores da igreja católica. No âmbito evangélico, pode-se dividir esse debate entre muitos reformados e dispensacionalistas, oriundos de igrejas protestantes históricas, que não crêem que dons como o falar em línguas e o exercício da profecia sejam válidos atualmente, assim também como não crêem em curas extraordinárias da parte de Deus. Os que integram essa ala são comumente conhecidos como Cessacionistas, porque afirmam que tais dons cessaram com o final da era apostólica. De outro lado há aqueles que integram o chamado  grupo de igrejas pentecostais, notadamente através das denominações Assembleia de Deus; e os Renovados/Carismáticos, que juntamente com alguns reformados que integram o grupo dos chamados neocalvinistas, como John Piper e Mark Driscoll¹, que crêem na atualidade dos dons espirituais para hoje. Os que pertencem a esse grupo são classificados como contemporaneístas, porque crêem na atualidade de tais dons no contexto eclesial de hoje. Como pentecostal, creio ser de grande valor fazer uma breve reflexão sobre esse delicado tema, tanto para a saúde como para a edificação cristã. Com um entendimento melhor das posições de ambos os grupos, muito poderá ser feito em prol de uma interação e enriquecimento espiritual mútuo.


As mais variadas críticas feitas na atualidade acerca do uso dos dons espirituais são feitas acompanhadas de críticas ao movimento pentecostal em geral. Muitas vezes pregadores como Benny Hinn são tidos como padrões do movimento carismático, assim também como a teologia da prosperidade como sinônimo de reflexão teológica pentecostal/carismática, junte-se a isso com problemas de ordem moral, litúrgica e soteriológica. Caso se concorde com todas as críticas feitas por muitos cessacionistas, dificilmente não se verá  o movimento pentecostal como algo pseudo-cristão de cunho herético. Tais críticas já foram  analisadas e refutadas de forma muito melhor do que este autor poderia sonhar em fazer (Vide excelentes artigos clicando aqui e aqui). É óbvio que não se pode classificar o movimento pentecostal como algo simplesmente homogêneo e denominá-lo herético. Comparar Mike Murdock com Stanley Horton ou Benny Hinn com Gordon Fee ou Myer Perlman simplesmente não faz justiça aos fatos. Todavia, é importante analisar a raiz do problema e depois chegar as demais conclusões. Teriam de fato os dons desaparecido? Seriam os pentecostais um grupo sub-cristão destituído de base doutrinária sólida? Antes de mais nada o problema é exegético, e antes de outras análises serem feitas, é mais do que prudente analisar um trecho-chave das Escrituras concernente a essa controvérsia. E esse trecho é o 1 Coríntios 13:8-13.

O apóstolo Paulo, lidando com vários problemas existentes na igreja em Corinto trata nos capítulos 12 a 14 de 1 Coríntios sobre o correto exercício dos dons espirituais na igreja. Um dos textos utilizados pelos cessacionistas é o já citado capítulo 13, dos versos 8 a 13 onde o apóstolo diz:

"O Amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas, havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; porque em parte vemos, e em parte profetizamos; mas quando vier o [que é] perfeito, então o que é em parte será aniquilado.
 Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino, mas logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.
Porque agora vemos por espelho, em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como sou conhecido.
Agora pois, permanecem a fé, a esperança e o amor,estes três, mas o maior destes é o amor."

Para muitos cristãos sinceros, o texto em questão não visa autenticar o correto exercício dos dons espirituais atualmente, mas simplesmente falar acerca do fechamento do Cânon escriturístico, ou algo derivado dele, o qual é o conhecimento de Deus revelado nas Escrituras.  Acerca deste texto, comenta o Rev. Josafá Vasconcelos:

"O grande problema aqui nessa passagem é a discussão perene sobre quem é o "teleion", o perfeito [do texto]. Seria Jesus? Ou a manifestação da sua glória? Seria o canôn das Escrituras? Quem, ou que é este "perfeito"? Meus irmãos, a regra elementar de hermenêutica manda que consideremos o contexto imediato e geral da passagem, que indicará o sentido da palavra. Do que Paulo  está tratando no sentido anterior? Não é a respeito dos exercícios que nos fazem conhecer a Deus e a sua vontade? o ponto básico da discussão é sobre "conhecimento". O que o apóstolo quer apresentar no capítulo 13? duas coisas:

1. Em relação à prática da igreja, ele fala do exercício daquilo que Deus outorga para a edificação do corpo, que sobretudo o amor deve nos nortear.

2. Fala do conhecimento de Deus e de Sua vontade. Ele está dizendo que  há um conhecimento parcial que se aperfeiçoará. Um ekmerous (palavra utilizada para conhecimento parcial - "em parte conhecemos") que caminha para o teleion que é o conhecimento perfeito. Não há como fugir disso aqui, é muito claro. No contexto ele fala ainda de infantilidade (ser como menino) e de amadurecimento (ser como grande ou adulto); usa, a metáfora do espelho: ver por espelho (instrumento imperfeito na época de Paulo para mostrar as coisas) e ver face a face (as coisas são mostrada de  um modo claro). Não sei porque a palavra 'teleion' não pode ser metafórica também. Porque tem que Deus ou a face de Deus, ou o céu, e não o que, pelo contexto, parece realmente ser, aperfeiçoamento do conhecimento genuíno."

Para Josafá, o dom de profecia era um sinônimo de inspiração plenário-verbal, ou seja a profecia era a Palavra de Deus sendo transmitida a igreja do primeiro século, que não contava com o Novo Testamento completo. A forma argumentativa é convincente, mas será que realmente diz aquilo que o texto apresenta? Vejamos por partes:

1. O Contexto de 1 Coríntios 13:

O contexto do texto em questão não se refere especificamente sobre o conhecimento de Deus através das escrituras, mas ao correto exercício dos dons espirituais, essa é a principal preocupação do apóstolo, como testemunhado no primeiro versículo do capítulo doze: "Acerca dos dons espirituais, não quero irmãos, que sejais ignorantes". A partir daí Paulo prossegue dando uma descrição da lista de dons espirituais possíveis de serem exercidos na igreja, sendo que seu propósito máximo é exaltar a Cristo como Senhor e glorificá-lo, sendo que cada dom, dado a indivíduos, são importantes para o aprimoramento do corpo de Cristo. Com isso o apóstolo repreende uma possível vanglória existente na igreja de Corinto, onde uns se achavam mais espirituais do que outros devido a exercerem determinado dom, mas todos são importantes para o bom funcionamento do corpo, e todos devem ser usados com amor. Com isso o apóstolo encoraja: "procurai com zelo os melhores dons, e eu vos mostrarei um caminho ainda mais excelente." (vrs 31).

2. O Texto de 1 Coríntios 13:

O capítulo 13 de primeiro coríntios  é um dos mais universalmente conhecidos das Escrituras, onde o apóstolo Paulo, após descrever a natureza de vários dos espirituais e sua importância, Paulo mostra a superioridade do amor, sendo que este não é um tipo de amor no sentido geral do termo ou um amor fraternal, mas o amor divino no qual todo genuinamente crente recebe:"Porquanto o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que no foi dado"  (Rm 5:5b). Tal "dom" é superior a todos os outros. Aí então entra o texto-chave para entendermos a questão da duração dos dons de sinais.

Ao mostrar a superioridade do amor sobre os dons de sinais, o Apóstolo então mostra a durabilidade do amor de Deus, tal amor é tão forte e superior que não pode falhar ("Ekpiptei", que também pode ser traduzido por acabar), ele durará para sempre, tanto nesta era quanto na outra. Enquanto isso, as línguas cessarão e a profecia será aniquilada, a ciência também desaparecerá (vrs 8) pois quando “o perfeito” vier (vrs 9) tais coisas já não serão mais necessárias. É aí que chegamos num impasse textual, e consequentemente doutrinário.

Muito se debate sobre o significado do termo "perfeito", sendo que a palavra grega original (teleion) possui uma variedade de significados como : Maduro, pleno, completo e também perfeito. Para cessacionistas como Vasconcelos, a melhor tradução aqui seria "maduro" ou "completo", pois o próprio Paulo faz uma comparação entre ser um menino e amadurecer como adulto. Mas então como entender a expressão ver face-a face? Tal texto deve ser entendido de forma metafórica juntamente com a comparação feita por Paulo.  Todavia, fica claro que a metáfora proposta por ele termina quando finaliza sua ilustração de infância-maturidade. O teólogo reformado Wayne Grudem pungentemente afirma:

"O uso da expressão  'face a face' no AT, no sentido não apenas de ver claramente, mas de ver Deus pessoalmente (no versículo acima) continua sem explicação. O fato de Paulo incluir  a si mesmo nas expressões "veremos face a face" e "então, conhecerei plenamente, da mesma forma como sou plenamente conhecido" impede que vejamos isso como uma referência ao tempo da finalização das Escrituras".
A tradução da palavra "teleion" nesse trecho é melhor expressa como "perfeito", ou então como "pleno", pois na verdade o texto não se refere propriamente ao Senhor Jesus, mas a Era vindoura, que somente será inaugurada quando Cristo voltar. Tal interpretação também se encaixa no contexto geral da epístola, haja vista o apóstolo saudar a igreja com um grande elogio:  "De maneira que nenhum dom vos falta, esperando a manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo" ( 1 Co 1:7). O teólogo pentecostal Donald Stamps, comentando sobre esse trecho afirma:
"Os dons espirituais, como profecia, línguas e ciência terminarão no fim da presente era[século]...até chegar esse tempo, precisamos do Espírito e dos seus dons na congregação. Não há nenhuma evidência aqui, nem em qualquer outro trecho das escrituras de que a manifestação do espírito santo através dos seus dons cessaria no fim da era apostólica."
Conclusão:
Muito se pode ainda dizer sobre essa delicada questão, que separa muitos cristãos tradicionais (reformados e dispencacionalistas) dos pentecostais clássicos. Há implicações importantes que devem ser analisadas, porém creio que melhor seriam expressas em outros artigos.  Levando em consideração a importância da doutrina bíblica da atualidade dos usos dos dons de sinais, juntamente aliados com um correto uso desses dons. 

Permanece o importante fato: mesmo que haja abusos constantemente vistos em meios que se auto-proclamam como pentecostais genuínos, não menosprezemos a validade e a importância deste importante texto, que nos encoraja a buscarmos mais e mais ação do Espírito Santo em nossas igrejas, para a glória de nosso Senhor Jesus Cristo.

Soli Deo Gloria 


Notas:

[1] A crença da atualidade dos dons espirituais no meio reformado não é exclusiva aos neocalvinistas, sendo mesmo alguns reformados que não fazem parte desse movimento crêem na possibilidade de se repetir tal ação na vida da igreja. Na história da igreja, vemos vários reformados que criam e até mesmo tinham dons espirituais, como John Knox, Richard Baxter e Charles Spurgeon.

Referências:

Grudem, Wayne. O Dom de profecia: do novo testamento aos dias atuais. São Paulo: Editora Vida, 2004.
Stamps, Donald in: Bíblia de Estudo pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 1995.
Vasconcelos, Josafá. Nada se acrescentará:. O que dizer das novas revelações de hoje? São Paulo: Os Puritanos, 1998.


terça-feira, outubro 11, 2011

Deus é soberano, então ore!


Deus é soberano sobre tudo e sobre todos. Nada deste mundo foge à Sua vontade soberana. Nem mesmo o circuito realizado por uma poeira em algum lugar do globo foge do decreto divino. Deus, de fato, reina sobre tudo- exatamente tudo!

"Mas o nosso Deus está nos céus, e faz tudo o que lhe apraz." [1]

E o que dizer do coração humano? Será que temos que ficar amedrontados com a livre agência das pessoas? Será que temos de nos desesperar ao vermos tanta iniquidade nas obras de nossos colegas e amigos? Claro que não. Como diz o sábio rei Salomão:

"Como ribeiros de águas é o coração do rei na mão do Senhor, que o inclina a todo o seu querer." [2]

Não estou desprezando a responsabilidade humana em suas escolhas. Cada homem dará conta de si mesmo a Deus. E aqueles que forem lançados ao inferno, serão lançados por causa de seus próprios pecados. Ninguém pode dizer que, ao pecar, "está fazendo a vontade de Deus, porque Deus é soberano". Deus não participa do pecado de ninguém, os homens são os únicos culpados de suas próprias iniquidades. Como Tiago ressalta:

"Ninguém, sendo tentado, diga: De Deus sou tentado; porque Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta. Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado por sua própria concupiscência." [3]

Mas estou focando mais intensamente nossas mentes na soberania de Deus, porque é exatamente esta doutrina que nos encoraja a orarmos. É saber que Deus reina, que nos dá esperança ao lutarmos em oração por nosso próximo, mesmo que este tenha o coração tão duro como o diamante, por causa de seu pecado. É saber que Deus tem poder para conceder arrependimento e fé até ao mais perverso pecador, que nos motiva a orarmos.

Então, oremos! Não importa qual seja a densidade das trevas à sua volta, ore. Mesmo que pareça não haver mais esperança para seus amigos e colegas, ou para este mundo como um todo, não pare de orar. Deus é soberano, e esperemos inteiramente em Sua graça sempre.

Que Deus seja gracioso conosco em nos conceder a graça de vermos acontecer ao nosso redor o mesmo que ocorreu com os ninivitas após a pregação de Jonas:

"E os homens de Nínive creram em Deus; e proclamaram um jejum, e vestiram-se de saco, desde o maior até ao menor. Esta palavra chegou também ao rei de Nínive; e ele levantou-se do seu trono, e tirou de si as suas vestes, e cobriu-se de saco, e sentou-se sobre a cinza. E fez uma proclamação que se divulgou em Nínive, pelo decreto do rei e dos seus grandes, dizendo: Nem homens, nem animais, nem bois, nem ovelhas provem coisa alguma, nem se lhes dê alimentos, nem bebam água; mas os homens e os animais sejam cobertos de sacos, e clamem fortemente a Deus, e convertam-se, cada um do seu mau caminho, e da violência que há nas suas mãos. quem sabe se se voltará Deus, e se arrependerá, e se apartará do furor da sua ira, de sorte que não pereçamos? E Deus viu as obras deles, como se converteram do seu mau caminho; e Deus se arrependeu do mal que tinha anunciado lhes faria, e não o fez." [4]

Que Deus nos perdoe.

Notas:
[1] Sl 115.3
[2] Pv 21.1
[3] Tg 1.13,14.
[4] Jn 3.5-10.






segunda-feira, outubro 10, 2011

Devocional: Você crê na Soberania de Deus?


"O Senhor tem estabelecido o seu trono nos céus, e o seu reino domina sobre tudo" (Salmos 103.19).

A soberania de Deus é o tema central da doutrina bíblica. Sem ela não temos nada. Crer num deus que não é soberano sobre tudo e todos em nada difere de crer num deus feito por mãos humanas, um deus inútil e nada diferente dos homens, e, mais que isso, inferior aos próprios homens. Pensar em um deus que não tem soberania é conceber um deus que não é criador, e sim criatura; um deus que não é rei, mas súdito; um deus que não é auto-suficiente, e sim completamente dependente de homens.

Mas o verdadeiro Deus é soberano. E a Sua soberania não tem limites: exatamente tudo o que ocorre neste mundo e no universo é controlado pelo Senhor. E Deus não está preocupado se Sua vontade será feita, como um rei que fica a caminhar ao redor de seu trono- confuso e ansioso; mas Ele está assentado em Seu trono com soberania completa, como o nosso texto declara: Ele tem o "seu trono nos céus, e o seu reino domina sobre tudo".

Esta verdade traz aplicações bem práticas para nossas vidas. Eu gostaria de trazer neste texto apenas uma:

Saiba que o contexto em que você está inserido, as pessoas que você conhece, as pessoas que você irá conhecer ou se deparar não são por acaso ou por coincidência- nem mesmo por sorte. Mas a verdade é que cada uma delas é controlada pela perfeita soberania de Deus. Cada coisa em sua vida é provida por Deus de modo soberano, e dada a você como um presente.

Que esta verdade nos faça repensar nossas vidas e nosso papel neste mundo. Que Deus nos conceda graça para que não enxerguemos nossas vidas e as pessoas que nos cercam como "meramente naturais". A fim de que O glorifiquemos em tudo isso. Termino esta reflexão com esta oração por nossas vidas:

"Senhor, não permita que nosso legado seja somente falar de modo teórico sobre Ti e Tua salvação em Cristo Jesus, Teu Filho. Mas que o Senhor nos use como teus instrumentos para que o Teu Nome seja glorificado em nossas vidas, famílias, amigos e aqueles que levares até nós por Tua maravilhosa soberania, através da pregação ativa de Teu Evangelho."

Que Deus nos perdoe.