sábado, abril 16, 2022

A Páscoa, o Ladrão e o Reino - Uma análise.


"A oração do Ladrão arrependido", por James Tissot.



Um dos momentos mais conhecidos nos relatos da Paixão de Cristo é a oração do ladrão arrependido, também comumente conhecida como a oração do ladrão na cruz, onde um dos ladrões (uma plavra mais adequada seria “salteador”) que estava ao lado do Senhor Jesus faz uma declaração de fé e petição, a qual o Senhor Jesus prontamente responde:  Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso”, declaração essa que tem ressoado no decorrer da história na vida de milhares de pessoas que encontraram a Cristo quase no último sopro que lhes restavam. Porém, ao lermo o Evangelho de Lucas, talvez perguntemos até onde fora o conhecimento salvífico deste homem. Uma análise mais detalhada na própria confissão do ladrão impenitente pode nos indicar, juntamente com o contexto da sua crucificação, quem ele era.

Ao fazermos uma análise do trecho do evangelho de Lucas, capítulo 23:42, constata-se é a forma como o pedido do condenado é dirigida a Jesus: "Senhor, lembra-te de mim quando vieres no teu Reino"¹. Duas coisas são notáveis aqui: a expressão "Senhor" e "Reino". Aqui, por "Reino", claramente este se refere a um tema constante nos evangelho sinópticos e no próprio ministério de Jesus.

 A “teologia do Reino” está presente de maneira notável nos evangelhos sinópticos, sendo que logo no início do Evangelho de Mateus, Jesus afirma que o Reino “está próximo” (podendo inclusive ser traduzido como “é chegado”), algo pregando anteriormente peloo próprio João Batista, o que indica, nas palavras do teólogo holandês Herman Ridderbos, que  a expressão Reino dos céus não era deconhecida daqueles a quem sua mensagem era dirigida, mas tinha sido calculada para produzir uma reação imediata por partes dos ouvintes"². Basicamente, a expressão Reino de Deus, ou dos "Céus" como diz Mateus, não está registrada no Antigo Testamento, mas está fortemente enraizada nele e fora desenvolvida no que chamamos de período interbíblico, que cobre o período de tempo entre a finalização do Novo Testamento e o aparecimento de João Batista. Havia uma forte expectativa com relação a vinda deste Reino celestial, onde Deus, através do seu Messias, vindicaria a honra do povo de Israel, libertaria o seu povo do domínio estrangeiro e traria as bençãos grandiosas de paz e prosperidade sem igual, como profetizadas pelos profetas. Dentro desse contexto, havia aqueles que procuravam estabelecer o Reino de Deus à força, em revolta armada contra Roma. grupos como os Sicários e Zelotes estava presentes entre as multidões do povo de Israel, derramando sangue quando necessário para esta causa.  É dentro desse contexto que entram Barrabás e os outros dois crucificados ao lado de Jesus.

Faz-se notável a confissão do Ladrão na cruz em Lucas. Como dito anteriormente, não se deve entender “ladrão” aqui como um criminoso qualquer. Analisando a passagem paralela no Evangelhos e Marcos, Grant Osbourne afirma: "é provável que fossem dois bandidos revolucionários capturados com Barrabás"³. Não era simplesmente um "badido" qualquer mas um “salteador”, alguém que talvez estivesse envolvido em um tipo de sedição contra Roma. O fato é que esse homem certamente é Judeu e vivia na expectativa da aparição do Reino. A questão dele  se dirigir a Jesus como “Senhor” não se trata de uma variante errada de um copista (como muitos criticos textuais afirmam, preferindo uma leitura extremamente minoritária on de ao invés de "Senhor", lê-se apenas "Jesus") ou um mero embelezamento teológico de Lucas colocado na boca do ladrão. Na verdade, ali, na cruz, o ladrão reconhece Jesus como o Messias e Rei.  Mesmo não tendo talvez uma compreensão tão refinada acerca da profundidade de chamar Jesus de Senhor, demonstra uma genuína fé e reconhece que Jesus traria, em definitivo, esse reino na Terra!

Neste período onde historicamente a igreja celebra a páscoa Cristã, é digno de nota atentarmos para a oração do ladrão na cruz. Ele almejava pelo Reino de Deus. Essa oração está sendo cumprida: Com Jesus, o Reino de Deus é revelado e exposto, pois ele é O Messias prometido, o Rei de Israel. Cristo ressuscitou dentre os mortos e há de vir novamente para julgar os vivos e os mortos, na sua vinda e no seu Reino ( 2 Tm 4: 13), sendo que espirtualmente, todo o crente já experimenta espiritualmente a presença desse Reino pelo Espírito. Que o nosso clamor seja “Venha o teu Reino”, pois do Senhor é “O Reino, o poder e a glória para sempre” (Mt 6:13). Amém

Cristo está vivo!

 Feliz Páscoa

Soli Deo Gloria


NOtas:

1. Para uma análise mais técnica acerca da variante textual comumente encontrada nas versões bíblicas, leia o artigo semelhante a este no blog Scriptum Est.

2. RIDDERBOS, Herman. A Vinda do Reino.Tr. Augustus Nicodemus Lopes & Minka Schalkwijk Lopes. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. p. 35

3. OSBORNE, Grant. Marcos.Tr. Susana Klassen. São Paulo: Vida Nova, 2019.p. 301

Nenhum comentário: