quinta-feira, junho 02, 2011

Deus é soberano


"Inclina o meu coração aos teus testemunhos, e não à cobiça." (Salmos 119.36)

Temos a tendência de relacionar a soberania de Deus somente com a doutrina da eleição ou com outros temas "difíceis"[1]. Mas a verdade é que a soberania de Deus se relaciona com todos os aspectos de nossas vidas, especialmente com os mais simples. E isso implica em dizer que Deus não possui uma soberania passiva, como se Ele somente conhecesse perfeitamente todas as coisas passadas, presentes e futuras. Pois a Sua soberania é totalmente ativa em toda a Sua criação:

"Mas o nosso Deus está nos céus e faz tudo o que lhe apraz."[2]

"O Senhor tem estabelecido o seu trono nos céus, e o seu reino domina sobre tudo."[3]

Então, Deus não somente sustenta o universo, provê o necessário para a as Suas criaturas e abençoa o Seu povo; mas Ele, de fato, governa sobre cada coisa. E é exatamente isso que o salmista está expressando no verso trinta e seis do salmo cento e dezenove.

O salmista sabia que ele só poderia buscar a Deus se o próprio Deus assim o quisesse, e, portanto, o inclinasse a fazer isso. E o interessante é que o salmista não clama por uma obra meramente intelectual ou aparente, como algo semelhante a "inclina-me a entender que tenho de te buscar, meu Deus" ou "faça-me ler a tua Palavra, Senhor"; e sim, por uma mudança poderosa e profunda no seu próprio coração. Ou seja, ele pede por uma mudança em todo o seu ser, no mais profundo do que ele é: o seu coração. De modo que ele fique protegido de ter uma vida cristã inclinada aos mandamentos do Senhor somente de maneira aparente e superficial.

Mas o mais maravilhoso é que as nossas orações não ativam a soberania de Deus, como se elas dessem algum tipo de "autorização" para Deus poder agir em nossas vidas. Não... não estamos falando de um deus manipulado por homens, e sim do Deus que controla o coração dos homens[4]. A grande verdade é que até a oração do salmista de pedir que Deus o incline para buscar os Seus mandamentos, já era Deus o inclinando para pedir por isso- é a soberania de Deus que nos leva a orar e buscá-Lo. Como o apóstolo Paulo escreveu: "Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer quanto o efetuar, segundo a sua boa vontade."[5]

E longe de a soberania de Deus anular a responsabilidade humana na oração e na busca pelos testemunhos do Senhor, ela é o grande incentivo que temos para viver a vida cristã. A fim de que possamos nos unir ao salmista e dizer o que ele disse setenta e seis versos depois:

"Inclinei o meu coração a guardar os teus estatutos, para sempre, até ao fim."[6]

Isso nos leva a compreender algo muito simples: Deus não ora por nós, Ele nos leva a orar- nós oramos; Deus não se arrepende de nossos pecados em nosso lugar, Ele nos concede arrependimento, faz com que nos arrependamos- nós nos arrependemos; Deus não crê no Evangelho por nós, Ele nos concede fé, age em nós para que creiamos- somos nós que cremos.

E esta relação entre a soberania de Deus e as nossas obras traz consigo a questão do mérito. Ou seja, será que se dissermos que o que fazemos é movido soberanamente por Deus não acaba implicando que somos meio que robôs? E a resposta é: Não!

O conhecimento acerca da soberania de Deus é fundamental para que sejamos guardados da raiz da pergunta acima: o orgulho. E com isso quero dizer que o maior problema que temos de enfrentar ao estudar sobre a soberania de Deus é o nosso própio orgulho. Pois, por sermos pecadores, somos levados a querer receber algum mérito por nossas obras; queremos que Deus se agrade de nós por nós mesmos...

Mas a vida cristã está infinitamente longe de ser "a história dos homens que conseguiram se salvar do pecado, conquistaram a Deus e receberam, no final, o pagamento por suas grandes obras." A vida cristã é, na verdade, "a realidade de um Deus soberano e misericordioso, o único Deus verdadeiro, que escolheu voluntariamente salvar pecadores através do sangue de Seu único Filho, os purificando de suas iniquidades, e, por fim, os galardoando pela obra que Sua própria graça operou neles."

Portanto, saibamos que as nossas obras são reais- somos nós que a realizamos, e não Deus-, assim como nossa fé também o é- somos nós que cremos, de fato. Mas sempre nos lembremos que tanto a nossa fé quanto as nossas obras são operadas em nós pela soberania de Deus, de modo que toda a glória e todo o louvor pertence a Ele, e somente a Ele[7]. Pois se não fosse a Sua maravilhosa graça, nada seríamos ou faríamos...

"Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie. Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas."[8]


Que Deus nos perdoe.


Notas:
[1] Me refiro a questões difíceis no sentido de se relacionarem com as coisas encobertas a nós por Deus, desde o porquê de uma doença até a doutrina da eleição.
[2] Sl 115.3
[3] Sl 103.19
[4] Cf. Is 40.22,23.
[5] Fl 2.13
[6] Sl 119.112
[7] O interessante é que o próprio apóstolo Paulo relaciona a responsabilidade do homem com a soberania de Deus: no verso 12 do cap. 2 de Filipenses, Paulo diz: "operai a vossa salvação com temor e tremor" (somos nós que operamos, vivemos tal salvação), e no verso 13 ele continua: "porque Deus é o que opera em vós tanto o querer quanto o efetuar" (lembrando-nos de que a nossa salvação é graças a Deus e não a nós).
[8]
Ef 2.8-10

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